Esta dissertação apresenta mães cujos filhos foram assassinados, aqui chamadas mães órfãs, como protagonistas. A morte violenta dos filhos e as suas consequências na vida da mãe, na família e na sociedade são o cerne da investigação. A contextualização e a análise da violência baseadas em um estudo interdisciplinar trazem uma ampla discussão entre psicólogos, historiadores e sociólogos sobre a estrutura, a gênese e a configuração da violência.
Em seguida, são abordadas as ricas partilhas de mães cujos filhos foram vitimados num bairro popular da cidade de Salvador/Bahia, aqui cuidadosamente diagnosticado. Essa análise da violência e os depoimentos da pesquisa qualitativa no campo formam o ponto de partida para uma ação pastoral.
A parte pastoral traz contribuições ao acompanhamento das mulheres que sofreram a perda dos próprios filhos, como também à compreensão e ao enfrentamento da violência. As propostas concretas trazidas pelas mães das vítimas em relação à escuta empática, à ritualização da perda e à organização da luta ajudam na atuação pastoral no campo.
A fundamentação teórica da análise da dissertação surge dos escritos de teólogos Johann Baptist Metz, Jon Sobrino e Jürgen Moltmann e dos cientistas sociais Rosa María Moreno Rodriquez, Walter Truett Anderson, Maria Antonieta Pisano Motta e Luzia Fátima Baierl.
A ênfase central é dada à memória das vítimas, no processo do trabalho de luto, que leva à elaboração da teologia da reconciliação e da esperança, contexto adequado para a ação missionária na construção do Reino de Deus.
Sumário
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Abreviaturas e siglas
Introdução geral
Capítulo 1
Configuração da violência
Introdução
1.1. Estrutura psico-antropológica da violência
1.2. Colonização como gênese da violência estrutural
1.3. Violência em torno de mercado e lucro: o capitalismo tardio no Brasil
1.4. Configuração da violência baiana
Capítulo 2
Sistematização de narrativas de dor
Introdução
2.1. Fenômeno da violência
2.1.1. Violência policial
2.1.2. Narcotráfico
2.1.3. Falta da estrutura familiar
2.2. Ausência de Justiça e de autodefesa
2.2.1. Vista pela “mulher pobre, preta, já velha, mas direita”
2.2.2. Na política
2.2.3. Autodefesa
2.3. Justiça de Deus – tarda, mas não falha
2.3.1. Fé em Deus
2.3.2. Apoio da comunidade
2.3.3. Sujeitos de esperança
Capítulo 3
Elementos para uma Teologia da Esperança contextualizada
Introdução
3.1. A partir da memória
3.2. A partir da realidade
3.3. A partir da utopia do Reino
Capítulo 4
Trabalhar o luto, caminhar na esperança
Introdução
4.1. Intensificar a escuta
4.2. Ritualizar a perda
4.3. Horizontes de luta
À guisa de conclusão
Referências Bibliográficas
Apêndices / Anexos
Apêndice 1: Entrevistas
Introdução
1.1. Mães
1.1.1. Elza Lopes da Consolação
1.1.3. Ester Mariana Santos
1.1.4. Ana Rogério da Souza Silva
1.1.5. Maria-José Oliveira Aurora
1.1.6. Joana Silva Lopez
1.1.7. Matilde Dora Alves
1.1.8. Marta Hilda dos Santos
1.1.9. Vanda Santos
1.1.10. Mara Rodrigues Ferreira de Santana
1.1.11. Edileuza Conceição Ferreira
1.1.12. Lúcia Jesus da Silva
1.1.13. Mara Cecília de Jesus
1.1.14. Neide Santos Passos
1.1.15. Nora Costa Salvador
1.2 Entrevistas com os bispos da Arquidiocese Salvador
1.2.1. Entrevista com D. João Carlos Petrini
1.2.2. Entrevista com D. Gregório Paixão, bispo auxiliar
1.3. Agente da Ação Social Arquidiocesana (ASA)
1.4. Termo de consentimento
Anexo 2: Mapas e estatísticas
Anexo 3: Fotos
Agradecimentos
Este trabalho acadêmico é resultado da semente missionária que brotou e cresceu durante quase uma década e, afinal, encontra o seu momento de desabrochamento, ou seja, o seu momento de kairos, como alguém propôs. Isto é somente possível com o incentivo de muitas pessoas. Diria até que o termo “mutirão” descreve o resultado desta pesquisa e dos meus estudos no contexto do curso de pós-graduação em missiologia.
Toda base de fundamentação teórico-prática foi providenciada por meus professores do Itesp, em particular agradeço ao meu orientador Dr. Dr. h.c. Paulo Suess. Dois anos de encontros cuidadosos, com caráter aberto e agradável, levaram à conclusão deste trabalho. O seu testemunho e exemplo continuarão orientando-me durante toda minha vida. Agradeço à coordenação da pós-graduação, Prof. Dr. Heinrich Alexandre Otten, como diretor, e Profa. Dra. Agnese Costalunga, como membro da banca examinadora e acompanhante fiel de cada um(a) de nós, alunos. O firme apoio acadêmico e os aconselhamentos foram fonte de estímulo e criatividade. Ao Prof. Dr. José J. Queiroz, membro da banca examinadora, e aos Professores Dr. Ênio José da Costa Brito, Dr. José Oscar Beozzo e Dr. Márcio Fabri dos Anjos agradeço pelas valiosas sugestões que muito enriqueceram esta pesquisa. Aos meus colegas da pós-graduação, principalmente do meu turno (2009-2010), meus sinceros agradecimentos. Agradeço também à equipe da biblioteca do ITESP, em particular Margareth Rodrigues da Cunha e Francisca Teixeira da Silva, e da Biblioteca dos Redentoristas. A generosa ajuda com as correções de português Ana Maria Pisani, do Mundo e Missão (Pimi, São Paulo), Débora Maria Borba (Mandaguari, PR) e Dra. Brígida Malandrino merecem minha gratidão.
Agradeço às pessoas entrevistadas: às mães órfãs, aos bispos auxiliares Dom João Petrini e Dom Gregório Paixão, como também à agente pastoral Josilene Passos Nascimento. Minhas saudações gratas vão às mulheres do Grupo de Saúde da Mulher “Árvore da Vida” (Salvador), que teceram a rede de relações para esta pesquisa. À Rede Rua e à Rede Corrente Viva, em particular Fabiano Viana, que me apoiaram com coração. Obrigada!
Gostaria de agradecer também à Sra. Delfina do Espírito Santo da Silva e aos seus queridos filhos, cujo acolhimento no quintal da sua casa situada na Rua Frei Durão, possibilitou uma vida de qualidade, de silêncio e de paz durante estes dois anos de estudos.
And then again as it was in the beginning
I saw the soul like a white cloth snatched away
Across dark galaxies and felt that shot
For the sin it was against eternal life
E então como era uma vez Eu vi a alma como um pano branco raptado Através das galáxias escuras e senti aquele tiro Pelo pecado que foi contra a vida eternal (Seamus Heaney - Settings xxi)
Resumo
A pesquisa identifica os principais elementos da problemática da violência e procura uma saída adequada e efetiva. Ela elabora uma discussão sobre a violência em sua complexidade, em suas raízes na história e em sua presença no cotidiano brasileiro. Esta dissertação apresenta mães cujos filhos foram assassinados, aqui chamadas mães órfãs, como protagonistas. A morte violenta dos filhos e as suas consequências na vida da mãe, na família e na sociedade são o cerne da investigação.
A contextualização e a análise da violência baseadas em um estudo interdisciplinar trazem uma ampla discussão entre psicólogos, historiadores e sociólogos sobre a estrutura, a gênese e a configuração da violência. Em seguida, são abordadas as ricas partilhas de mães cujos filhos foram vitimados num bairro popular da cidade de Salvador/Bahia, aqui cuidadosamente diagnosticado. Essa análise da violência e os depoimentos da pesquisa qualitativa no campo formam o ponto de partida para uma ação pastoral.
A complexidade do fenômeno da violência é ilustrada através dos seguintes eixos temáticos: a violência policial, o narcotráfico, a falta de estrutura familiar e o sistema precário da justiça. Essa articulação estruturada procura fortalecer a esperança destas mulheres sofridas, para que a vida delas se torne fonte de justiça, trazendo a paz.
A parte pastoral traz contribuições ao acompanhamento das mulheres que sofreram a perda dos próprios filhos, como também à compreensão e ao enfrentamento da violência. As propostas concretas trazidas pelas mães das vítimas em relação à escuta empática, à ritualização da perda e à organização da luta ajudam na atuação pastoral no campo.
Destaca-se a esperança, tema que é fio condutor durante toda a pesquisa. Essa dissertação sobre a experiência da morte violenta procura ressignificar a perda e a dor colocadas nas narrativas das mães. A fundamentação teórica da análise da dissertação surge dos escritos de teólogos Johann Baptist Metz, Jon Sobrino e Jürgen Moltmann e dos cientistas sociais Rosa María Moreno Rodriquez, Walter Truett Anderson, Maria Antonieta Pisano Motta e Luzia Fátima Baierl. A ênfase central é dada à memória das vítimas, no processo do trabalho de luto, que leva à elaboração da teologia da reconciliação e da esperança, contexto adequado para a ação missionária na construção do Reino de Deus.
Palavras-chaves: violência, esperança, mães, pastoral de escuta, luto, luta, missão
Abstract
The research identifies the main elements of the problematic topic of violence and seeks an adequate and effective response. It discusses the complexity of violence, its roots in history and its presence in daily Brazilian life. The protagonists of this dissertation are mothers whose sons and daughters were murdered, here referred to as orphaned mothers. The violent death of those children and its consequences in the life of the mother, the family and the society are the kernel of my inquiry.
The contextualization and analysis of violence based on interdisciplinary study bring a broad dialogue between psychologists, historians and sociologists on the structure, genesis and configuration of violence. The interviews given by mothers whose children were murdered in a low income neighbourhood in the city of Salvador/Bahia, will be structured and carefully diagnosed here. This analysis of violence supported by the results of the qualitative fieldwork will be the starting point for a pastoral engagement.
The intricacy of the phenomenon of violence will be illustrated by the following chosen parameters: police abuse, drug trafficking, the lack of family structure and a precarious justice system. This structured articulation seeks to strengthen the hope of these suffering women so that their lives become a source of justice leading to peace.
The pastoral part will suggest initiatives in the accompaniment of the women who suffered the loss of their own sons and daughters as well as enabling them to cope with violence and confront it. Concrete proposals by mothers of victims in relation to empathetic listening, ways of ritualizing their loss and organizing their struggle will help in the pastoral engagement at grass-root level.
The theme of hope is central throughout the research. This dissertation on the experience of violent death seeks to give new meaning to the loss and pain shared in the mothers´ narratives. The theoretical underpinnings of the dissertation´s analysis come from the writings of theologians Johann Baptist Metz, Jon Sobrino and Jürgen Moltmann, and social scientists Rosa Maria Moreno Rodriquez, Walter Truett Anderson, Maria Antonieta Pisano Motta and Luzia Fátima Baierl. A lot of emphasis will be given to the role of memory in the processing of bereavement. This will lead to the elaboration of a theology of reconciliation and hope, the appropriate context for the missionary effort to build the Reign of God.
Keywords: violence, hope, mothers, empathetic listening, bereavement, struggle, mission
Abreviaturas e siglas
AMB Associação dos Magistrados Brasileiros
ASA Ação Social Arquidiocesana
Ceao Centro de Estudos Afro Orientais
Cedec Centro de Estudos da Cultura Contemporânea
Cedeca Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
Cedep Centro de Documentação e Estatística Policial
Celam Conselho Episcopal Latino-Americano, Bogotá
Cesep Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular
Clai Conselho Latino Americano das Igrejas
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CRB Conferência Religioso do Brasil
DAp Documento de Aparecida. 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 2007
DIS Diretoria de Informação em Saúde
DM Documento de Medellín. 2ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 1968
DP Documento de Puebla. 3ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, 1979
DSD Documento de Santo Domingo. 4ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, 1992
EN Evangelii Nuntiandi, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (8.12.1975)
Fccv Fórum Comunitário de Combate à Violência
GS Gaudium et Spes, Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo de Hoje (1965)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Itesp Instituto São Paulo de Estudos Superiores
Imlnr Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues
LG Lumen Gentium, Constituição Dogmática sobre a Igreja (1964)
KMI Kimmage Mission Institute
Pimi Pontifício Instituto das Missões
PMS Prefeitura Municipal de Salvador
Remhi Recuperação da Memória Histórica, Guatemala
SIM Sistema de Informação sobre Mortalidade
Sesab Secretaria da Saúde do Estado da Bahia
Sicad Sistema Cartográfico e Cadastral do Município do Salvador
Sisnad Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre tráfico
SUS Sistema Único de Saúde
Ucsal Universidade Católica do Salvador
Ufba Universidade Federal da Bahia
Unicef Fundo das Nações Unidas para a Infância
Introdução geral
Ao introduzir esta dissertação gostaria de comentar que desde agosto de 2000, atuo em regiões urbanas, tanto na periferia de São Paulo (região do Jardim Ângela, Zona Sul), quanto em Salvador (bairros populares de Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas e Areal, que formam a Paróquia Santo André).
Foi meu desejo aprofundar-me na matéria de missiologia. A vontade foi aumentando depois de conhecer os escritos missiológicos do Prof. Dr. Dr. h.c. Paulo Suess e ele pessoalmente. Através da participação em congressos missionários (I Congresso Missionário/São Paulo em 2004, Congresso Missionário/Feira de Santana – nível local em 2005), alimentei este desejo. Durante estes anos todos me engajei em vários grupos de reflexão missionária. Fui participante e monitora do Curso de Verão (Cesep1 ) durante oito anos (2001-2008). Continuei me atualizando através de leituras teológicas e missiológicas (Michael McCabe, Michael Amaladoss, Robert Schreiter, Sandra Schneiders, entre outros).
A realidade da violência me acompanha há muitos anos. Durante o início da minha tragetória missionária vivi em regiões de guerra (por exemplo, na fronteira ugandesa com Ruanda), de conflitos étnicos e de violência urbana. Tanto na Europa quanto na África e nos últimos quase dez anos no Brasil, experimentei a violência de perto. O acompanhamento de pessoas e de famílias vítimas de violência forma a base empírica desta pesquisa. Constantemente busquei aprofundamento através de cursos que trabalharam os temas de justiça, de paz, de solidariedade e de terapias comunitárias. Dias de formação sobre temas específicos como violência sexual, violência doméstica e violência na Bíblia me levaram a apreciar a complexidade do tema em geral. Durante os meus últimos nove anos no Brasil, morei em bairros com altos índices de violência (na região de Jardim Ângela, no bairro chamado Jardim Vila Gilda/Aracati, Zona Sul de São Paulo e Salvador, Bahia).2 Meu trabalho incluiu um acompanhamento pessoal e comunitário. Procurei estimular uma articulação da dor e da esperança através da terapia comunitária e da reflexão teológica, a partir das mulheres e da realidade cotidiana delas. Busquei descobrir o sentido da missão e da ação evangelizadora nestas regiões. Dedicada à cura, procurei viver o desempenho missionário neste contexto violento.
Um bairro popular de Salvador foi território dos meus últimos cinco anos de presença missionária no Brasil. De 2004 até fim de 2008, trabalhei no bairro de Nordeste de Amaralina, Salvador. Lá, desenvolvi um trabalho pastoral junto com as mulheres, sendo que muitas delas sofreram a perda do filho por causa da violência. Começamos com cinco mulheres e aos poucos se juntaram mais de oitenta ao grupo. Dias de reflexão com temas relevantes à nossa realidade e encontros semanais ofereceram um espaço de partilha e de escuta, fortalecendo laços de amizade e quebrando o silêncio. As próprias mulheres deram ao grupo o nome “Árvore da Vida”, sendo, este, um símbolo de vida. Foi neste grupo que percebemos a necessidade de assumir a dor da perda, de acompanhar as famílias vítimas de violência e de apoiar a luta pela justiça e pelos direitos humanos.
Outro aspecto central desta dissertação, que também representa parte do meu projeto de vida, é a memória. Estudar história, buscar entendimento através da análise de contextos e fazer memória, em particular, de pessoas vítimas de violência, constituem parte da minha trajetória. Observo dias memoriais de vítimas e de mártires. Acompanho a literatura de sobreviventes de guerras e de violência. Tendo como carisma congregacional e pessoal o cuidado de pessoas sofridas, eu me dedico às mesmas no contexto brasileiro, onde a violência aumenta a cada dia. Observamos outros países, onde mães corajosas recusam-se a deixar os filhos vítimas serem esquecidos, manifestando-se. Em Buenos Aires, semanalmente as mães da Plaza de Mayo marcam a sua presença com determinação nesta praça. Com fotos nas mãos e lenços brancos nas cabeças, elas fazem memória dos filhos perdidos e injustiçados. Elas vivem como símbolo da esperança no horizonte da sociedade argentina. Por mais de três décadas, elas são movidas pela esperança e a expressam de um jeito pacífico e feminino na praça da capital, num espaço dominado pela economia, pela política e pela cultura, em frente à Câmara Municipal. No continente asiático, escutamos o mesmo grito: lembremo-nos solenemente do massacre no Tienanmen Square, China (Pequim), há mais de vinte anos atrás. A partir do choro doloroso de uma mãe das vítimas, Ding Zilin, as Tienanmen Mothers começou uma longa caminhada de luta pela justiça, pela qual a pioneira recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 20033. Tenho o sonho de que um dia as mães soteropolitanas também se manifestem de um jeito visível e esperançoso na Praça da Piedade ou nas ruas onde os filhos foram assassinados. De uma maneira tímida isso já acontece através de nossa animação. Minha trajetória motivou-me a trabalhar o tema desta dissertação, que emerge da dor para gerar esperança.
Ter como enfoque as mães órfãs4, cujos filhos foram vitimados pela violência é um campo específico. Entretanto, alguns estudos constituem o ponto de partida deste trabalho, pois, contêm um conhecimento prévio a respeito do tema. Analisar a violência e articular o nascimento da esperança a partir dela foi tema de outros autores. Em resumo, citamos aqui artigos e obras de autores da bibliografia desta pesquisa.
Como pano de fundo e no sentido preliminar e explicativo, utilizamos autores como o sociólogo Yves Michaud5, a filósofa brasileira Marilena Chauí6, a antropóloga Alba Zaluar7 (1999) e o antropólogo e crítico literário René Girard (1990). Na sua leitura etimológica do verbo violare (transgredir, profanar, tratar com violência), Michaud analisa a violência diante do processo civilizatório, incapaz de impedir a barbárie dos nossos dias. Chauí acrescenta a dimensão ética, como ferramenta de análise e olha para todas as formas de violência. Segundo Chauí, violência se caracteriza por todo ato que vai contra a liberdade de alguém, podendo ser de ordem física ou psíquica. Zaluar lê a violência como emprego da força, ultrapassando os limites socialmente estabelecidos, inclusive o descumprimento de regras em sociedades democráticas. René Girard8 se aproxima da violência a partir do sagrado, com foco nas sociedades primitivas, vendo a violência como base das relações sociais e como manifestação das mesmas. Na nossa análise, baseamo-nos também no texto de Márcia Regina da Costa e de Carlos Alberto Máximo Pimenta, que consultaram os autores mencionados e examinaram a violência humana com um olhar geral, mundial, e, em particular, com um olhar brasileiro.9
Nessa pesquisa, que tem como tema a missão em contextos de violência, buscamos, como primeiro passo, uma familiarização com o status quaestionis formado por autores como meu orientador Paulo Suess e os teólogos Johann Baptist Metz (enfatizando o valor de fazer memória) e Jon Sobrino (por sua, assim chamada, honradez com a realidade e convicção da suma importância da pessoa pobre e vulnerável), como também Jürgen Moltmann (priorizando a utopia e a teologia da esperança).
O tema da missão em contextos violentos é algo desafiador. Conviver com a realidade dura da violência, enquanto missionário(a), não é fácil. Embora o encontro entre a mãe que sofre a perda do seu filho e nós, missionários(as), pedir uma ação concreta e solidária, precisa ser bastante refletida a maneira como se atua na missão. O objetivo de tal missão é levar à justiça e ao empoderamento estas famílias vítimas.
O aspecto da memória, depois da perda violenta do filho, é essencial. Fazer memória dos filhos assassinados e narrar o sofrimento tem um efeito terapêutico. Relatar os acontecimentos dolorosos e articular a aflição insuportável frente à injustiça são os meios para a cura no coração destas mães. Juntar mulheres que sofreram o mesmo prejuízo e conduzi-las a narrar acontecimentos, como também esperanças, cria vínculos de solidariedade que oferecem novas perspectivas. Neste ato se vive o mandamento cristão, que consiste e resulta na justiça, gerando a paz e a construção do Reino de Deus.
Nesta dissertação se unem dois grupos extremamente machucados pela sociedade contemporânea: as mulheres e os jovens. Ela se dedica ao tema da missão direcionada às mães órfãs, que é urgente em nosso país. Embora a Igreja inserida caminhe cotidianamente com as mulheres, que sofrem as dores da perda do próprio filho, ainda não existe uma pastoral específica. É alarmante a necessidade de um acolhimento cuidadosamente trabalhado, para que a missão samaritana da Igreja seja cumprida.
O objeto da pesquisa
O tema, a minha motivação e a justificativa formam a moldura do levantamento da realidade de Salvador/Bahia frente à violência da morte violenta. Em grande parte do mundo, observamos um aumento da violência. Esta dissertação se delimita geograficamente à realidade urbana de um bairro popular da região Nordeste de Amaralina, em Salvador/Bahia. Ela traz dados concretos sobre os assassinatos entre os anos 2004-2008, durante os quais eu morei no bairro. Sociologicamente, o enfoque são mulheres, na maioria negra e de baixa renda, que violentamente sofreram a perda de um(a) filho(a) ou de um(a) neto(a). Meus interesses são a esperança diante dessa realidade e o papel missionário nesse contexto, lembrando-se que:
“[a] mensagem fundamental da missão é a esperança contida na ressurreição de Jesus Cristo com vitória da vida e da justiça [...]. Essa esperança não é nossa obra, mas nosso dom. Nós não construímos a esperança, nós a recebemos como dom, como energia que vai além de cálculos e benfeitorias humanas [...]. Ela é o permanente anúncio da vida como possibilidade num mundo de conflitos, de miséria, violência e mortes que não fazem sentido”.10
No contexto soteropolitano, do ponto de vista da Missão Inter Gentes, a elaboração dos desafios da evangelização, junto com a compreensão da esperança, ou seja, com a recepção do dom da esperança pelas mulheres, forma o objetivo específico.
A esperança em si é autônoma, porém a esperança cristã traz algo específico. Jürgen Moltmann articulou esta esperança a partir do sofrimento no contexto da Segunda Guerra Mundial. Pretendemos, diante do sofrimento da perda de um filho assassinado, fazer o estudo da esperança depois de um ato criminoso, como também mostrar o imperativo que isto apresenta para a ação missionária. Textos bíblicos, documentos da Igreja, assim como teólogos latino-americanos, como Jon Sobrino, serão consultados. Será estudado o fenômeno religioso e avaliada a importância da comunidade. A perspectiva da esperança ganha uma nova luz através da intensificação da escuta, da ritualização da perda e da organização da luta.
Esta pesquisa enfrenta os questionamentos que surgem desta violência: o que faz essas mulheres sobreviverem emocionalmente e em muitos outros sentidos? O que sustenta essas mães? Como elas veem e vivem a vida a partir da morte brutal do filho? Se tiver, qual é o conceito de esperança no cotidiano dessas mulheres? Elas também têm perguntas próprias. “Por que meu filho?”, gritou uma mãe durante o enterro: “O que ele fez para ter uma morte dessas? O que eu não fiz? O que faltou na criação deste meu filho?” Muitas vezes, se o filho foi envolvido no tráfico, ela sofre grande estigmatização. Mas, independente do comportamento do filho em relação às drogas, a perda e a dor da mãe é muito real e nos impele a ajudá-la.
A realidade “pesada” e os muitos contatos, tanto com as pessoas responsáveis pela Arquidiocese de Salvador quanto com as famílias vítimas, fazem-nos acreditar que esta dissertação pode apontar para uma pastoral da esperança e da consolação. Elaborarei a criação de um espaço para estas mulheres, onde elas possam se expressar e partilhar as suas dores. Assim, a esperança se tornará fonte de novos caminhos rumo à construção de uma cultura de justiça, que gera a paz. A proposta é um programa pastoral que atinja especificamente estas mulheres sofridas e atenda às suas carências. O desenvolvimento de uma pastoral desse tipo seria algo novo na realidade baiana.
Esta dissertação procura a articulação da esperança dessas mulheres, à luz da esperança cristã e do papel missionário neste contexto, como também uma articulação maior da ação evangelizadora. Muitas vezes ela acontece de uma maneira imediatista. Em vez de agir organizadamente, a atividade missionária ocorre de um modo espontâneo e é mais um reagir à situação de emergência do que uma ação planejada. As mortes violentas provocam ações pastorais provisórias. Um agir caritativo da parte do(a) agente missionário(a) leva-o(a) ao encontro da mulher sofrida. A dissertação proporciona um estudo da violência sofrida pelas mulheres, moradoras de um bairro popular de Salvador/Bahia. O objeto de estudo focaliza os desafios que a situação de angústia e de desamparo em que vivem suscita à ação evangelizadora, norteada pelos Documentos da Igreja e pela reflexão teológica. A pesquisa se limita territorialmente ao bairro da paróquia Santo André e se restringe aos depoimentos de mulheres, que acompanhei durante os anos 2004-2008 e as quais eu entrevistei no mês de julho de 2009.
Em primeiro lugar, esta pesquisa é uma reflexão e uma proposta missiológica. A ênfase é no papel missionário em contextos de violência. Missiologia é a sistemática ponderação em cima da “missão de uma comunidade eclesial em defesa da vida [...]. É a luta por algo absoluto [...]. A missão é histórica, com passado, presente e futuro, e é ambivalente, com santos e pecadores. Nas sandálias da comunidade missionária há poeira e sangue”11. Nas sandálias da realidade descrita nessa dissertação existe concretamente muito sangue. Essa pesquisa contém imagens de jovens caídos no chão, mortos, e deixados na rua em cima do próprio sangue. Vê-se as vítimas nos caixões, cercados pelos parentes queridos, e a mãe quase desmaiando de tanto desespero. Temos as cenas do cemitério, muitas pessoas chegando no último momento, antes de enterrar o jovem fora dos muros em um túmulo provisório, que depois de poucos anos será removido e substituído por novas vítimas.
O contexto da violência é de caráter histórico e ao mesmo tempo social, pensando no narcotráfico, na violência policial, na falta de estrutura familiar e no sistema capitalista. Uma postura interpretativa acompanha toda pesquisa. Como se lê essa violência sob o prisma soteropolitano e missiológico? Será a questão trabalhada no primeiro capítulo. Ele traz o cenário sociológico do contexto vitimário. Incluem-se os aspetos da estrutura psico-antropológica da violência, a colonização, como gênese da violência estrutural, e também o capitalismo tardio no Brasil. O segundo capítulo dá atenção à pergunta: Como se posicionam as mães e as avós que tiveram seus filhos vitimados diante do panorama de violência que as aflige e quais são as suas reclamações à sociedade e à ação missionária? Através das narrativas das mães órfãs entramos no mundo da dor e do clamor por justiça. O terceiro capítulo se dedica à identificação de elementos para uma Teologia da Esperança, contextualizada a partir da memória, da realidade e da utopia do Reino. O quarto capítulo traz a pergunta: Qual deveria ser a resposta do trabalho missionário diante do contexto de violência e de dor, diante da desesperança das mães órfãs e das suas reclamações? Aqui serão trabalhadas propostas concretas, que surgiram a partir das entrevistas, e que serão comentadas e sustentadas pela visão teológica e pastoral dos documentos da Igreja e das posições da teologia de missão. Para contextualizar a pesquisa, como primeiro passo, segue a hipótese e os objetivos, como também o método da realização da investigação.
Hipótese e objetivos12
Como a hipótese é uma posição preliminar que se assume diante dos problemas da violência, procuro comprovar que as mães órfãs se posicionam frente à violência vitimária com desespero, presas em suas dores e ao mesmo tempo tentando buscar uma saída. As suas partilhas comprovam a perda irreparável, a revolta, a indignação e o clamor por justiça. A postura missionária, com sua proposta de utopia e de esperança, está sendo desafiada por esta realidade e, ao mesmo tempo, enriquecida pelos depoimentos das mães órfãs. Como a esperança se resgata a partir desta perda na visão cristã? Nesta pesquisa discute-se a esperança cristã, em particular, no contexto violento.
Para que o papel do(a) agente missionário(a) e da comunidade eclesial seja cumprido, precisa-se fazer entender a situação na qual a mulher se encontra. Sugere-se a criação de um espaço para estas mulheres, onde elas possam se expressar e partilhar a via crucis. Assim, a esperança se torna fonte de novos caminhos rumo à construção de uma cultura de justiça, que gere a paz. Propomos um programa pastoral que atinja estas mulheres sofridas e atenda às suas carências. O desenvolvimento de uma pastoral deste tipo seria um trabalho novo.
O aspecto da memória, depois da perda violenta do filho, é importante. Fazer memória dos filhos assassinados e narrar o sofrimento tem um efeito terapêutico. Relatar os acontecimentos dolorosos e articular a aflição insuportável frente à injustiça estrutural são meios para a cura no coração destas mães. Unir mulheres que sofreram o mesmo aniquilamento e conduzi-las a narrar os acontecimentos, como também as esperanças, cria vínculos de amizade que oferecem novas perspectivas. Esse ato resulta na justiça, na solidariedade e na construção do Reino de Deus.
Outra hipótese que procuro demonstrar é o que cabe à ação pastoral missionária: acolher o sofrimento das mães órfãs, alimentá-las com a esperança cristã na ressurreição, não só na vida futura, mas nesta vida, intensificando a acolhida, a escuta, a memória, a ritualização da perda e a organização da luta pela justiça. O primeiro capítulo prepara esta hipótese e ela será alvo principalmente do quarto capítulo.
Esta pesquisa leva os agentes de pastoral a um entendimento mais claro do sofrimento destas mulheres, das suas causas e das suas reclamações. O objetivo é reavivar a memória dos acontecimentos através da escuta empática e terapêutica, trazendo alívio da situação de vazio, angústia e desamparo em que elas vivem. Urgente é a criação de um espaço de acolhida na comunidade, que possibilite a manifestação da dor e da esperança das mães órfãs com o intuito de elaborar um projeto missionário de resposta às suas necessidades. Suspeita-se que uma pastoral específica em relação ao sofrimento dessas mulheres desperta um forte apelo à solidariedade por parte da comunidade eclesial.
As categorias teóricas, aqui sinteticamente e sumariamente descritas são as bases para as análises: a esperança humana e cristã, a justiça, a solidariedade, o conceito teológico de memória, a utopia e o eschaton, conceitos que serão desenvolvidos no decorrer do trabalho.
Método13
Entrevistas com mulheres – por mim gravadas e transcritas no contexto da pesquisa qualitativa de campo – oferecem a própria voz. Depoimentos de dois bispos auxiliares, como também uma entrevista com a representante da Ação Social da Arquidiocese, ajudam a apresentar o panorama atual e indicam o desejo por uma pastoral voltada às mães que perderam os seus filhos. A construção desta pesquisa, primeiramente baseada nessas entrevistas, oferece matéria prima e apresenta algo novo para futuras investigações.
As narrativas de dor e de esperança, junto com as preocupações na voz dos bispos e da representante da Ação Social Arquidiocesana, dão valor à verdade e à memória. A ausência da justiça, mostrada nesta dissertação, traz uma análise do fenômeno da violência. É forte o clamor destas mães sofridas pela justiça. Elas desejam continuar lutando por seus direitos e, ao mesmo tempo, necessitam de apoio e de acompanhamento. Todas as entrevistadas fizeram distinção entre a justiça de Deus que tarda, mas não falha, e a justiça da terra, do ser humano, que falha. O conceito de justiça destas mulheres é algo bastante diverso e é um dos pontos chave de análise. Umas entendem justiça como aplicação da lei e como respeito dos direitos humanos, outras como punição do criminoso e como sofrimento daquele que inflige a perda irreparável do filho. É estudado o fenômeno religioso e avaliada a importância da comunidade. A perspectiva da esperança ganha uma nova luz através da intensificação da escuta, da ritualização da perda e da organização da luta.
A parte teórica é baseada numa sistemática consulta de livros relacionados aos temas da esperança, da fé e da justiça, como também sobre o tema da evangelização e da teologia da libertação, da violência e da morte (cf. bibliografia). Entrevistas com mulheres que passaram pela experiência da perda de um filho oferecem informações privilegiadas, de “primeira mão”, e um entendimento específico de Deus nos tempos de dor. A pesquisa tem caráter qualitativo com uma entrevista semi-dirigida. Os depoimentos das mulheres relatam os momentos fortes de perda, a experiência da violência e o posicionamento frente à vida a partir da morte do filho. No mês de julho de 2009 realizei as entrevistas com quinze mulheres, as quais eu acompanhei durante os últimos cinco anos. Entre elas tive vinte e uma vítimas de mortes violentas.
Com nossa relação já pré-estabelecida, as entrevistas ofereceram um momento de desabafo às mulheres, que agradeceram por terem tido uma oportunidade de lembrar do(a) filho(a) verbalmente. Anotei os dados pessoais (nome, idade, religião, estado civil, número de filhos, escolaridade, ocupação, moradia) e usei as seis questões abaixo durante as entrevistas semi-estruturadas:
1) Fatos: O que você gostaria de contar a respeito da morte do seu filho? (Data da morte, como morreu, quem matou, o estado atual do crime, se aconteceu punição do assassino).
2) Sentimentos: Quem foi o seu filho para você? (Sentimentos pelo filho durante a infância, a adolescência, antes da morte e depois da morte dele).
3) Apoio: De quem você teve ou ainda tem apoio para lidar com a morte do seu filho? (O que a sustenta emocionalmente na vida cotidiana? Quais são as suas necessidades quando pensa no seu filho e o que aliviaria o peso da perda? Quais são os seus maiores problemas em relação à morte do seu filho?).
4) Esperança: Depois desta experiência tão dura, ainda dá para falar e ter esperança na vida?
5) Religião: Em algum momento a religião ajudou você nesta situação? (Conte algo da sua história de fé e da imagem de Deus. Você lê a Bíblia? Como você expressa ou vive a sua fé? Como você vê o papel da missionária, em particular da missionária estrangeira?).
6) Contribuição: Como você pode contribuir para que outros filhos não sejam assassinados? (Como você se vê no processo de redução da violência? Sua contribuição na saúde pública?).
Os encontros com as mulheres foram realizados individualmente na casa de cada uma delas ou no centro comunitário. Fui muito bem recebida pelas mulheres. As entrevistas gravadas têm em média trinta minutos de duração. No total gravei mais de quinhentos e setenta minutos. Durante o mês de agosto transcrevi as entrevistas. A gravação registrou não apenas os depoimentos das mulheres, mas também as pausas em razão de lágrimas e o barulho em volta. A linguagem baiana se apresentou como um desafio na transcrição, pois consiste em frases não terminadas e com uma fala típica da região (substantivo sem plural, a conjugação dos verbos não corresponde com o sujeito da frase e uma gíria característica). Nas citações destas partilhas, eu mantenho as frases originais das mulheres, segundo os requisitos de citações e de pesquisas qualitativas.14
Nos meses de janeiro e de fevereiro de 2010, entrevistei dois bispos auxiliares da Arquidiocese Salvador, Dom João Carlos Petrini (a entrevista durou trinta e cinco minutos) e Dom Gregório Paixão, OSB (respondeu as perguntas por escrito, pois um encontro pessoal não foi possível por razões de compromissos diocesanos). O enfoque de Dom Petrini é a família na pós-modernidade. Ele tem um interesse específico pelo tema da violência. Estão sob os seus cuidados os estudos de pós-graduação da Universidade Católica de Salvador (Ucsal), com especialização em Família na Sociedade Contemporânea. As pesquisas sobre a família são interdisciplinares, investigando suas configurações internas, face às transformações da sociedade, e estudando a interface entre família e sociedade, tanto no que diz respeito aos impactos das mudanças sociais, que incidem nas relações familiares, quanto no que se refere ao lugar da família, suas formas e suas necessidades na estrutura social. Dom Gregório é muito engajado na pastoral social da Arquidiocese e tem um carinho especial pelas comunidades da periferia e dos bairros populares, que se revela na intensa convivência e visitação regular às nossas paróquias. Ele nunca se cansa de responder positivamente aos inúmeros convites das comunidades e é uma presença solidária nos encontros, nos seminários, nos retiros e nos dias de formação.
As seguintes questões foram respondidas pelos bispos:
1. No ano de 2008, na cidade de Salvador, houve mais de 1.732 mortes violentas. As famílias dos nossos bairros sofrem. A vida das mães, cujos filhos foram assassinados, nunca mais é a mesma. O que o senhor tem que dizer sobre a situação da violência?
2. O que a Igreja Católica pode fazer para combater a violência?
3. O que existe em relação ao combate das drogas?
4. Logo depois da morte violenta, segue o enterro, depois a tradicional missa do sétimo dia. Mas isso, certamente, não basta. O que está sendo oferecido aos padres diocesanos e aos agentes pastorais na linha de preparação ao acompanhamento pastoral das famílias das vítimas?
5. Como apoiar a "mãe órfã" (assim eu chamo as mães que perderam os seus filhos, elas se tornam órfãs no sentido inverso)? Quais seriam os passos que o senhor sugeriria para ajudar as famílias das vítimas? Um programa pastoral já existe ou deveria ser desenvolvido?
6. O senhor tem experiência no âmbito nacional – internacional em relação ao fenômeno da morte violenta?
7. O senhor tem uma mensagem para nós?
Sra. Josilene Nascimento Passos é a voz da Ação Social da Arquidiocese (ASA). Eu a entrevistei no mês de janeiro de 2010 (a entrevista durou vinte e três minutos). A sua reflexão sobre as seguintes perguntas, sendo ela representante da ASA e também moradora da periferia, levou a uma visão mais ampla da situação soteropolitana:
1. Introdução da própria pessoa
2. A violência ao nosso redor – em que consiste?
3. Você tem noção do número de assassinatos na cidade de Salvador?
4. O que está sendo feito pela Arquidiocese para atingir esta população, no caso, as famílias que perdem os seus filhos, para ritualizar a perda e para combater a violência?
5. Em relação à justiça, o que você tem a dizer?
6. O papel missionário no contexto da violência, em que consiste?
7. Se você tivesse que construir uma pastoral da mãe órfã, o que você faria?
8. Quais são as causas desta violência toda?
9. Como proteger o jovem das drogas?
10. Além da missa de sétimo dia, o que você faria para ritualizar a perda?
Durante o mês de fevereiro de 2010, eu transcrevi as entrevistas do Dom Petrini e da Sra. Josilene N. Passos. O apêndice 1 contém todas as entrevistas com uma breve introdução e uma amostra do termo de consentimento livre e esclarecido para participação na pesquisa. As entrevistas gravadas e transcritas acompanham este apêndice na forma de disco compacto, armazenando os dados digitalmente. Assim, ficam disponíveis para os leitores da banca como quaisquer outros interessados. Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Capítulo 1
Configuração da violência
“Que nunca se diga: isso é natural, para que nada passe por imutável [...].”
Bertolt Brecht
Introdução
A violência contra as mulheres e seus filhos é onipresente e atravessa as diferenças sociais e as fronteiras de status. Ela é palpável no bairro da minha investigação. Essa violência é uma construção social, cultural e religiosa, como veremos nas páginas seguintes. Ela tem várias dimensões: verbal, emocional, física, sexual, econômica e política. Ela leva à morte, que é a forma da violência no nosso enfoque. Como é possível que seres humanos cometam violência com outros seres humanos? Esta crueldade é inata ou construída? Como é possível um pai agindo violentamente contra um filho, o filho contra o próprio pai e os dois contra a esposa e a mãe? A questão da estrutura antropológica da violência é aprofundada na primeira parte deste capítulo e se concentra nos seus aspectos psicológicos e sociológicos. É necessário que se coloque a violência dentro de um contexto antropológico, pois o ser humano por si mesmo carrega uma agressividade, que o faz se defender diante do perigo ou atacar o inimigo. A violência percorre toda a história humana. Na maioria das vezes, os grandes conflitos humanos são enfrentados não pacificamente, mas violentamente. Esta primeira parte traz pensamentos e escritos de Sigmund Freud (O mal-estar na civilização), Maria Rita Kehl, Hermann Häring, Gregory Baum, René Girard, entre outros. Os documentos do Celam também foram consultados.
Examinar a violência com as suas raízes no colonialismo, no militarismo, e consequentemente no racismo, é o objeto de análise na segunda parte deste capítulo. No contexto brasileiro, com sua história de escravidão, as autoridades se aproximaram das tensões sociais de um modo violento. Basta ler os relatos dos primeiros jesuítas ou estudar os textos históricos dos séculos passados, como a abolição da escravidão, para perceber a complexidade da violência policial, sendo consequência da violência social, que tem a sua origem no passado. Para aprofundar o estudo histórico foram consultados autores como os filósofos Frantz Fanon, Hannah Arendt e Marilena Chauí, e os historiadores Luís dos Santos Vilhena, Donald Pierson, Caio Prado Júnior, Luiz Felipe de Alencastro, Raymundo Faoro e José Oscar Beozzo.
A violência não é simplesmente uma espécie de manipulação local, que se limita ao caso de um Estado, como a Bahia, mas uma peça fundamental dentro do sistema capitalista com a exploração econômica e seu mercado atual. Tais aspectos compõem o tema da terceira parte do presente capítulo. Aqui servem, entre outros, os estudos de Istvan Mészáros, Richard Sennett e Hans Magnus Enzensberger.
Nas páginas seguintes contextualizaremos a violência através da sua estrutura antropológica, da sua gênese num país colonizado, como o Brasil, e da análise da democracia, que abraçou o capitalismo como sistema econômico frente à violência em torno do mercado e do lucro. Estes três passos – estrutura antropológica, gênese da violência no contexto da colonização e violência em torno do capitalismo – nos preparam para entender melhor a configuração da violência expressa concretamente nos dias de hoje. Um quarto passo dá atenção à manifestação da violência no Brasil, em geral, e em Salvador/Bahia, em particular. Estatísticas reais e análises atuais de Julio Jacobo Waiselfisz e outros pesquisadores formam o pano de fundo desta quarta seção, completando, assim, o primeiro capítulo da dissertação.
1.1. Estrutura psico-antropológica da violência
Há uma falta de consenso sobre a definição de violência. Alguns autores se restringem à violência física, descrevendo o uso ilícito da força física, e, entre eles, há alguns poucos que, até talvez, incluem o uso legítimo da força pela polícia e pelo exército. Outros veem em toda miséria certo tipo de violência: desde a fome até todos os atos de homicídio. De fato, estes autores identificam toda violação da pessoa na sua identidade, nos seus direitos e no seu corpo como violência. A complexidade da violência já se revela na diversidade de definições. O termo é derivado do latim violentia e vis que significa a aplicação de força e de vigor contra qualquer coisa ou ente. Os termos “homicídio”, “etnocídio” e “genocídio” descrevem respectivamente assassinatos de indivíduos, de povos ou de massas no contexto de massacres, de conflitos sangrentos e de guerras. Nos últimos anos surgiriam neologismos como, por exemplo, o “feminicídio”, que se refere aos assassinatos de mulheres15. Atualmente, há uma campanha nacional que luta contra o “extermínio de jovens”, que poderia ser descrito como “juvenicídio”. Temos a violência da fome, que mata milhares de crianças e, no nosso entendimento, é camuflada por “estabilidade econômica”, enquanto o roubo das riquezas naturais dos países do sul continua e é chamado desenvolvimento. A fabricação de armamento nuclear com a única finalidade de destruir a vida em escala maciça é proclamada como obra de paz. O aumento do orçamento militar para defesa nacional é aplaudido como progresso e a argumentação da segurança e da defesa fala mais alto. A interpretação do quinto mandamento, “não matarás”, é fluída. A humanidade civilizada se torna cada vez mais violenta. O fenômeno da violência atinge governos e populações a nível local e global, no espaço público e privado. Ele está em constante intensificação e mutação, expressando-se nas várias atitudes e comportamentos que podemos considerar formas de violência. Vimos que a violência não mais se restringe a determinados nichos sociais, raciais, econômicos e geográficos, mas é um fenômeno social generalizado. Apresentam-se questões em relação ao gênero, à idade, à etnia e à classe social, pois, observamos que, em particular as mães das vítimas, muitas delas sendo mães solteiras, sofrem intensamente. O que transparece em seus depoimentos é que o seu sofrimento tem fortes vínculos com a condição de vulnerabilidade da região e da moradia. Pobreza, desemprego, crise econômica e desigualdade social são aspectos colocados pelas mães órfãs.16
Os seres humanos são seres livres e responsáveis por sua atitude frente à vida. Temos o potencial de fazer o bem e o mal. Tenho infinita possibilidade de construir um mundo melhor e posso ter fortes inclinações para destruir tudo ao meu redor, inclusive a mim mesmo/a. Ou, como diz Maria Rita Kehl: “[s]e não quero admitir o ‘mal’ e a contradição em mim mesmo, vou projetá-los no outro, e eliminar no outro aquilo de que não quero saber, em mim”17. A educação do nosso desejo cabe à área da ética, mas tem uma consequência essencial na área social e política. O ser humano necessita de ajuda no mundo moderno, cujo ambiente social é carente de paz. Não somos suficientemente incentivados a pensar no além, no amanhã (que o exemplo do nosso tratamento com o planeta Terra é ilustrativo), mas somos egoístas querendo segurar o nosso maior proveito no “aqui e agora”. Somos ambivalentes nas nossas atitudes. Em termos orgânicos, muitas vezes somos mais parasitas do que seres simbióticos em uma relação mutuamente proveitosa.
A violência constitui um autêntico fenômeno da história humana e não pode ser reduzida a algo meramente passageiro. Durante toda a história humana, vemos a manifestação do mal e os seus muitos rostos: dores e doenças, feridas e fome, golpes e guerras, vingança e violência. “Do mal são também os danos que nós nos causamos uns aos outros, [...] seja pelo emprego da violência ou da manipulação. É do mal a exploração dos indefesos”.18 A agressividade e o altruísmo levam o ser humano a ser ambíguo. A capacidade e o impulso biológico da agressividade competem com o potencial de servir o mais fraco, solidarizando-se com as vítimas e amando o próximo. Distinguindo entre Eros e Thanatos. Freud descreve esse “potencial de sublimação” como força criadora da cultura.19 A violência, segundo Freud, é entendida como tendo um papel fundador e social e uma função na relação dominação-submissão, que constitui a estrutura da maioria das sociedades. No domínio, a violência está sendo utilizada para designar o uso da força, que, no contexto de hoje, impregnou-se de negatividade, mas, na origem, foi entendida como fator gerador e estruturante das sociedades humanas. A dimensão antropológica da violência manifesta-se a nível jurídico e político, como também nos atos brutais de indivíduos e nos crimes desastrosos de gangues. Em todas as relações interindividuais, a violência parece onipresente, seja a física, a verbal e a ideológica, ou seja, a mais sutil ou descarada. Ganha caráter quase ontológico, como constitutivamente pertencente ao ser humano. Por definição, a violência é interminável, pois gera a si mesma. Mesmo tentando ir contra a atitude de vingança e encontrando soluções eficazes, a violência continua sendo um elemento na configuração da estrutura humana. Violência entendida como força vital tem a capacidade de criar uma ordem construtiva e, segundo nossa compreensão, pode ser considerada não mais como violência, mas energia da força vital. Entendemos, nesta dissertação, a violência restritivamente como violência-força destrutiva. A violência, como raiz de uma religião, no nosso caso da fé cristã, tem uma morte violenta como momento fundador da comunidade cristã. Mas, essa morte violenta libera uma energia benfazeja para a vida comum e estabelece um novo modo de ser. Interessante ver o paradoxo nesta dinâmica religiosa: [a] violência, assim como o sagrado, também é ambivalente; os homens não a adoram enquanto tal, e sim enquanto portadora de paz, da única que conhecem. A não-violência aparece como um dom gratuito da violência e, esta aparência de gratuidade deve-se ao fato de que os homens somente são capazes de se unir; de se reconciliar; se for contra terceiro; são unânimes contra alguém. Cada sacrifício repete no seu ritual o mecanismo eficaz que restaurou a ordem pela primeira vez: a unanimidade violenta contra a vítima.20
No contexto cristão convém que uma pessoa morra por todos. Teólogos como Lohfink e Häring concordam com Girard e leem figuras como Gandhi, Martin Luther King, Ignacio Ellacuría e dom Ocsar Romero e muitos outros mártires, a partir desta teoria.
No seu livro O mal-estar na civilização 21, Freud apresenta como idéia principal a discussão da repressão que é imposta pela sociedade. Nesse contexto, cada indivíduo está exposto ao policiamento e essa alienação diante das regras inibe o desenvolvimento humano. Freud vê o instinto humano como agressivo e ao se livrar deste sistema repressivo, a tendência humana é a destruição do mundo em que habita. O individuo e a civilização experimentam progresso a partir do controle das pressões impostas. Dois princípios competem: o do prazer e o da realidade, o instinto de vida e o instinto de morte. O primeiro busca a aproximação com próximo, o último age de forma oposta e contra a civilização. Felicidade é temporária. Amor e dor são os dois lados da vida, ou seja, os dois princípios. Freud insiste na forte inclinação do ser humano para a agressividade. Ele espera que esse impulso para a agressividade acabe e o ser humano se mostre como ele é na realidade. A instituição de uma autoridade interna, o superego, altera radicalmente a situação. Para Freud, algumas dificuldades que dizem respeito à natureza da civilização não têm solução fácil.
Freud se dedica a dois termos na sua obra: ao sofrimento e à felicidade. O sofrimento, segundo Freud, tem basicamente três fontes: 1) nosso corpo e suas fragilidades; 2) o mundo externo ao nosso corpo; 3) nossos relacionamentos22. Existem várias maneiras de evitar o sofrimento, o que faz com que busquemos a felicidade na quietude; ou lutemos pelo bem de todos; ou, finalmente, evitemos o sofrimento, influenciando o nosso próprio organismo, ou seja, nos intoxicando, suprimindo o sentindo do nosso sofrimento, uma vez que ele é basicamente sensação. Para Freud, a felicidade é fundamentalmente a satisfação do instinto. A não-satisfação do instinto é o contrário da satisfação, do bem-estar e da felicidade. A atração pelas coisas proibidas é por ele explicada como sendo a atração de satisfazer os instintos não domados. Freud deu um papel muito importante à sublimação do instinto, um aspeto particularmente evidente do desenvolvimento cultural. Esta sublimação do instinto é que torna possível o desempenho de um papel importante na vida civilizada. Ela leva às atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas. Segundo Freud, a arte nasce da sublimação dos instintos. A satisfação que sucede da arte não agita o nosso ser físico como os impulsos grosseiros e primários.
No nosso contexto é interessante a posição de Freud, pois alude à complexidade antropológica do nosso ser. Em circunstâncias ideais, com todas as necessidades satisfeitas de uma maneira pacífica, haveria menos violência. Mas, na situação global e local, não temos essas condições favoráveis de um modo justo e pleno, que atenda a todos os seres humanos. A teoria de Freud junto com uma análise sociológica tem algo a oferecer ao nosso diagnóstico.
Na sua leitura, não menos psicológica, mas inclusivamente bíblica e cultural, o teólogo Gregory Baum comenta a respeito da violência no contexto hebraico. Ele detecta muita tensão na interpretação bíblica, criticando e discordando fortemente da punição física, já que ela tendo sido apoiada pela Igreja por muito tempo.23 Para ele, causa de injustiça, de opressão e de exploração são os, assim chamados, “pecados estruturais”, que levam a atos violentos:
Pecados estruturais geram uma infinidade de pecados pessoais, inclusive atos violentos. Aqueles que tiram vantagens de estruturas injustas endurecem seus corações, defendem o eticamente indefensível, e frequentemente estão prontos a usar de violência para proteger seus privilégios, enquanto as pessoas que sofrem sob instituições injustas são tentadas a agir com violência a seu próprio modo. Se não veem um modo de lutar pacificamente para a criação de maior justiça, muitas vezes os oprimidos se tornam excessivamente irritados, descarregam sua frustração sobre os fracos e inocentes ou optam por violência desenfreada para superar o sistema que os oprime.24
Baum fala de maior justiça e de um modo de lutar pacificamente. Estes dois aspectos são praticamente impedidos pelas estruturas baseadas na violência. De modo óbvio, existe um real medo diante da violência. Todos nós somos vulneráveis. Temos medo da força machucadora. Desejamos um mundo de paz sem ameaças. Mas somos conscientes do próprio potencial de agir violentamente. Reagindo bruscamente a ataques e desejando punição à pessoa que ameaça, estas são atitudes humanas que veremos nas mulheres entrevistadas.
Observamos a tensão entre duas posições:
- A teoria da evolução de Darwin, que descreve a agressividade dos animais e também dos seres humanos, como meio de sobrevivência que resulta na vitória do mais forte sobre o mais fraco e;
- A teoria da herança da inclinação natural para a cooperação (Peter Kropotkin), que vê os seres humanos, por natureza, colaboradores pacíficos que “incluem altruísmo e autosacrifício, e que são capazes de criar uma sociedade sem violência”25.
Entre estas teorias existe uma tensão que a dolorosa realidade local-global questiona, principalmente em relação à teoria da herança da inclinação natural para a cooperação. Para alguns pensadores, a solução da violência é uma questão política. Necessita-se “um governo que regule o comportamento social das pessoas e castigue os transgressores da lei, [...] que proteja a lei e a ordem”26. Hobbes, Locke, Weber, Freud, os utilitaristas e os existencialistas veem a saída da violência arbitrária em regras e em normas jurídicas que “sempre serão experimentadas pelos cidadãos como restrições impostas a eles, frustrando seus próprios impulsos e desejos, [...] limitando suas aspirações”27. Muitos pensadores acreditavam que a solidariedade é inata ao ser humano. Aristóteles viu os seres humanos orientados para a verdade, para o bem e para o belo. Rousseau entendeu a humanidade com simpatia e com impulsos de compaixão. O pacifista Gandhi28, o anarquista Kropotkin ou o intelectual, economista e revolucionário alemão Marx também eram convictos da bondade no ser humano. Segundo eles, a violência nasce da falta da autodisciplina e da aspiração mais profunda, como também através do contato com instituições economicamente injustas, que criam desigualdade, através do mercado livre e do impacto da competição entre povos (o parágrafo 1.3. se dedica à discussão do mercado).
A todos nós se põe a questão: é possível ter uma sociedade sem violência? Teólogos e economistas, políticos e o povo simples, todos debatem - dentro das próprias disciplinas - as causas da violência e as suas soluções.29 Todos enfrentam perguntas antigas e muitas atuais. Uma das mães órfãs questiona: “Que coração é esse, que eles tiram a vida de um jovem inocente? Que mesmo que fosse envolvido, acho que ninguém tem o direito de tirar a vida de ninguém. Deus que deu a vida e só Deus tem o direito de tirá-la”30. Entre as quinze mulheres entrevistadas há um total de vinte e uma vítimas. Por causa da violência, três mães perderam mais que um filho. Em um caso, a mulher perdeu cinco filhos ou netos em duas chacinas durante dois anos. Na maioria dos casos, as vítimas foram assassinadas por policiais. Alguns desses policiais também já perderam a vida. A agressão e a vingança são ligadas à violência do indivíduo e da sociedade, seja inata, religiosa ou cultural.
Estas perguntas levaram a muitas reflexões. A justificativa da violência não é algo novo. Já as tradições religiosas abraçam um fim violento e glorificam heróis que deram a sua vida por uma causa. Para Freud, assim explica Felix Wilfred, estes elementos religiosos da violência dão abertura para uma sociedade pacífica: “[o]s ritos sacrificais e outros semelhantes são canais para extravasar a agressividade humana”31. Outro pensador, René Girard, escreveu muito sobre a ligação entre religião e violência e o nosso desejo mimético, querendo imitar um modelo de comportamento, que ao mesmo tempo, é o seu obstáculo para a assimilação dos elementos. Girard traz as duas dimensões, a antropológica e a religiosa. Nas relações humanas, muitas vezes, o conflito explode. Quando, por exemplo, pessoas brigam, ao mesmo tempo, por um mesmo objeto raro ou caro, elas acabam suscitando agressão e usando a própria força. A violência, de caráter mimético, é atualíssima frente à economia do mundo de hoje. A ambiguidade é ainda mais palpável no campo religioso. Numa das obras mais comentadas destas últimas décadas, Girard32 descreve o sagrado como violento. Para ele, a identidade da violência e do sagrado é correlata. Não faltam exemplos de pessoas motivadas pela ideologia ou pela crença religiosa que dão a própria vida por uma causa e, em muitos casos, levam outras pessoas inocentes consigo. Seja por razões políticas ou por razões econômicas, a vida dessas pessoas termina por um ato violento. Mártires e vítimas de todos os tempos apresentam uma realidade humana. As suas mortes são, no mínimo, ambíguas, mas, muitas vezes, vistas, interpretadas e espiritualizadas num sentido sagrado. No entanto, nenhuma morte desse tipo deixa de ser uma morte violenta.
Podemos dizer que o desenvolvimento no sentido de “vida plena para todos”, tanto da pessoa, como indivíduo, quanto das sociedades humanas é relativo. Progresso e regresso andam juntos. O avanço tecnológico, econômico e científico não necessariamente iguala uma melhora no âmbito da segurança pública e da estabilidade social. Pessoas excluídas dos benefícios desses avanços olham nos nossos olhos e passam pela mídia cada segundo: “No mesmo campo e na mesma cultura crescem trigo e joio e convivem ‘justos’ e ‘pecadores’, com suas forças construtivas e destrutivas, ou como Freud diria, não existe eros sem tanatos’. Onde há vida existe também a morte”33. O desafio está no entendimento desta estrutura antropológica dirigindo-a para o bem, para um destino de vida e não da morte, conduzindo a humanidade pelo caminho da não-violência.
Como reconciliar as inclinações para a paz e os impulsos agressivos dentro de nós? Como dirigir as energias agressivas e educar nosso instinto violento? O primeiro passo é reconhecer a natureza violenta e não agir em cima dela. Interessantes estudos feitos, principalmente por Frans de Waal, com chimpanzés mostram “que não raro o matar por pura agressão, sem nenhuma motivação funcional e apenas por prazer no sofrimento de outros, também ocorre entre os animais”34. A violência pode ser definida como sendo a agressividade que não possui “utilidade biológica ou legitimidade civilizatória” e não serve “para matar a fome nem para as necessidades de defesa, onde ela não é de utilidade nem para a procriação nem para a constituição de uma ordem de precedência, não serve nem à legitima defesa da prole nem à vazão lúdica dos instintos”35. Nessa disfunção da violência já recebemos pistas para o combate da mesma. Nesses sistemas patológicos não temos “regras para a mudança das regras”36, ou seja, as regras impróprias que não nos permitem enfrentar a situação violenta e que perpetuam o círculo vicioso da violência. Em outras palavras, a violência é “um comportamento sem regras ou um comportamento des-regulado”37. A violência se combate na aplicação de novas regras que se orientam pelas, assim chamadas, “meta-regras”, e que oferecem estratégias cognitivas de solução.38 Walter Benjamin fez a pergunta: “Será realmente possível a eliminação não-violenta dos conflitos?”39. O sistema político no mundo atual abraça conceitos jurídico-políticos da violência, através de meios que adotam a agressividade funcional. Basta dar uma olhada nas democracias dos países latino-americanos, com os seus órgãos de repressão, que legitimam uma agressão funcional com o objetivo de estabelecer a ordem.
Depois de ter dado atenção à estrutura da violência, oferecemos, agora, uma análise histórica desse continente latino-americano e do Brasil, em particular, para que possamos entender melhor o fenômeno da violência.
1.2. Colonização como gênese da violência estrutural
Ao longo da história da escravidão e da ocupação europeia no atual território brasileiro, a violência, em suas diversas formas, foi uma variável fundamental na constituição da sociedade brasileira. Ela levou à destruição de centenas de culturas indígenas e à morte de milhões de ameríndios. A instituição da escravidão implicou uma dominação violenta, tanto física, quanto simbólica, e atingiu inicialmente os índios e depois a mão-de-obra africana que, durante quase quatro séculos, foi objeto do tráfico.
A história colonial do Brasil, aqui brevemente recordada, está intimamente ligada à época da escravidão, ao tráfico de escravos, aos navios negreiros e à utilização de mão-de-obra escrava. No Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizá-los como mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. O transporte era feito da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros. Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram lançados ao mar.
A partir do século XVIII, nas fazendas de açúcar ou nas minas de ouro, os escravos eram tratados da pior forma possível. Trabalhavam muito, de sol a sol, recebendo apenas trapos de roupa e uma alimentação de péssima qualidade. Passavam as noites nas senzalas acorrentados para evitar fugas. Eram constantemente castigados fisicamente e proibidos de praticar sua religião de origem africana ou de realizar suas festas e seus rituais africanos. Tinham que seguir a religião católica, imposta pelos senhores de engenho, e adotar a língua portuguesa na comunicação. As mulheres negras também sofreram muito com a escravidão, sendo usadas, principalmente, para trabalhos domésticos: cozinheiras, arrumadeiras e até mesmo amas-de-leite40.
Mesmo com todas as imposições e as restrições, os africanos não deixaram a cultura africana se apagar. Escondidos, realizavam seus rituais, praticavam suas festas, mantiveram suas representações artísticas e até desenvolveram uma forma de luta, a capoeira. Misto de dança, jogo e música, a capoeira, vinda para o Brasil por volta do ano de 1538, é uma manifestação cultural extremamente rica, que simboliza a luta dos escravos africanos pela manutenção de suas tradições e de sua dignidade na triste realidade das senzalas durante o período da escravidão no Brasil.
As revoltas dos escravos nas fazendas levaram à formação de grupos nas florestas, os quilombos, comunidades bem organizadas, onde os integrantes viviam em liberdade, através de uma organização comunitária como nos moldes do que existia na África. Nos quilombos podiam praticar sua cultura, falar sua língua e exercer seus rituais religiosos. O mais famoso foi o quilombo de Palmares, comandado por Zumbi.
A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, o Parlamento Inglês aprovou a “Lei Bill Aberdeen” (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que faziam esta prática. Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a “Lei Eusébio de Queiróz” que acabou com o tráfico negreiro. Em 28 de setembro de 1871 era aprovada a “Lei do Ventre Livre”, que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data41. No ano de 1885 foi promulgada a “Lei dos Sexagenários”, que garantia liberdade aos escravos com mais de sessenta anos de idade. Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui no Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da “Lei Áurea (Lei 3353)”, assinada pela Princesa Isabel.
Inegavelmente, ao longo dos séculos formou-se uma sociedade complexa e heterogênea. Lemos os detalhes dessa violência infligida nos escravos africanos no século XVIII no livro do historiador Luís dos Santos Vilhena:
Na casa chamada de caldeiras, que é onde se coze o açúcar, estão atualmente empregados três, quatro, ou mais escravos, sendo aquele trabalho o mais violento de todo o laboratório não só por ser braçal, como por andarem sobre um pavimento abrasado com o fogo das fornalhas, [...] dever-se-ia de justiça e caridade providenciar sobre o bárbaro, cruel, e inaudito modo com que a maior parte dos senhores de engenho trata os seus desgraçados escravos do trabalho; [...] ele o manda atar a uma carro, e ali preso lhe manda dar com um chicote de três pernas, ou duas, feito de couro cru torcido, pelo menos duzentos açoites sobre as nádegas, que por boa conta, são quatro, ou seiscentos açoites. Se aqueles golpes sangram bem, lhes mandam lavar com sal, e vinagre, para evitar gangrena, e alguns lhe misturam pimentas malaguetas, por ser contra a corrupção.42
No seu artigo “Evangelho e escravidão na teologia latino-americana”, José Oscar Beozzo conclui que a instituição da escravidão é a somatória de todas as opressões, da legitimação do domínio absoluto e da exploração de um homem sobre outro homem, da dominação masculina em relação à mulher, da dominação dos ricos em relação aos pobres, que tem a sua continuação na dominação e na exploração econômica atual. Em minúsculo estudo, Beozzo entende a escravidão como escândalo e como injustiça. O artigo traz a experiência dos primeiros jesuítas, como Manuel da Nóbrega, que fala dos dois grandes pecados: “a cidade que está cheia de escravos injustamente havidos”, que é descrito como engano, mentira e violência e incita uma proposta de liberdade a todos os índios injustamente cativos, que será a “única maneira de haver paz na terra e progredir a evangelização entre os mesmos”43. O sistema colonial, que inclui pais venderem os seus próprios filhos44, levou à legitimação do sistema escravista45 e ao conflito entre doutrina e realidade, entre os princípios e a prática. Isto resultou no nascimento de uma “teologia” da escravidão: cativeiros injustos, denúncias e recusa de absolvição. A estruturação da ordem escravista, entendida como “guerra justa” possuía uma dupla função: politicamente: criar vassalagem para o rei, econômica e socialmente: fornecer escravos legítimos para o empresariado colonial - os senhores de engenho e de fazendas. O mecanismo de persuasão, de força e de convencimento da vontade e da razão levou a “legitimar” a negação e a violação do direito natural de liberdade46. Nesse sentido, a “teologia” da escravidão, como obra da religião, legitimou a tomada da terra, o roubo das pessoas e a escravidão, como também representou a total subversão do evangelho. Porém, como reconheceu Viana, foram os escravos que construíram o Brasil: “Nem uma palha se movia neste país, nas fazendas, cidades, portos, rios e estradas; nas casas, igrejas e conventos, sem o braço, as mãos e os pés dos escravos”47.
Beozzo vê até hoje que a violência tem as suas raízes na história dentro das relações escravistas de produção. As suas características têm os mesmos traços:
- A escravidão está vinculada fundamentalmente ao trabalho: tarefas duras e difíceis, além daquelas de maior risco para a vida e para a saúde, trabalhos que ninguém quer fazer, pois são pesados, mal remunerados, desprezados ou humilhantes, desprotegidos pela legislação trabalhista, desconsiderados socialmente;
- Forma extrema de exploração, imposta normalmente a pessoas estranhas de uma determinada sociedade, negando-lhes os direitos e os privilégios dos cidadãos daquele lugar;
- A escravização processa-se sempre através de violência;
- A escravidão envolve sempre algum tipo de coerção, aberta ou disfarçada (trabalho sob vigilância do feitor e do chicote, que tem como consequência os castigos, podendo chegar à tortura e à morte);
- O(a) escravo(a) está submetido(a) à absoluta falta de escolha e está submetido(a) ao seu senhor, que controla sua sexualidade e sua força reprodutiva; Partus sequitur ventrem (a prole segue a condição do ventre materno): se a mãe era escrava, o filho sempre era escravo.48
Até os dias atuais observamos a manutenção, a expansão e a multiplicação do latifúndio, como forma de manter a dominação de poucos sobre muitos, iniciada com a história colonial, concluindo que, no Brasil, a escravidão tornou-se a alma e o eixo de todo o sistema, não só o econômico, mas também o jurídico, o social e o religioso, contaminando e moldando as outras instituições. A escravidão é uma pesada herança que ainda não acabamos de eliminar das estruturas, das mentalidades e das práticas do Brasil. As sequelas da escravidão, entre muitas outras, são o desprezo pelo trabalho e o menosprezo pela vida e pela dignidade de pessoas, sobretudo das negras e dos pobres. A não-remuneração do trabalho e o alto índice de acidentes no trabalho, principalmente nas fábricas, são outros aspetos deste sistema que herdamos.
O historiador, Donald Pierson, acrescenta outro aspecto violento no processo da formação da sociedade escravista brasileira: “os [escravos] gradualmente perdiam seus costumes e tradições africanas e assumiam cada vez mais as idéias, atitudes e pontos de vista europeus”49. Até na distribuição espacial das classes e das raças, Pierson nota uma clara distinção entre os bairros dos brancos e dos “mestiços mais claros”, que ele descreve como “mais confortáveis, saudáveis e cômodos” e os dos negros e dos “mestiços mais escuros”, que residiram “nas áreas baixas, menos convenientes e saudáveis, onde, portanto, os imóveis são mais baratos, bem como nas áreas mais afastadas, menos acessíveis”50. O bairro de investigação dessa dissertação pertence ao último espaço descrito.
Essa história violenta se manifestou nas estruturas deste país. Observa-se uma dimensão de exploração e de iniquidade social. No entanto, toda esta violência não impediu uma rica interação e troca sociocultural. As diferentes culturas ameríndias e africanas, mesmo violentadas e fragmentadas, participaram intensamente na formação da sociedade nacional. Autores como Gilberto Freyre (1933-1975)51 e Sérgio Buarque de Holanda (1958-2000)52 mostram isso nos seus escritos, apesar das práticas de dominação, como mecanismos de força física, que continuaram marcando profundamente a terra brasileira (vide a tortura por razões políticas dos regimes militares e a tortura policial). Outros autores e historiadores iluminam a análise da violência a partir da colonização. Caio Prado Júnior53 esclareceu o sentido da história brasileira a partir do tipo de exploração econômica da colonização. Os seus livros mostram uma análise teórica, uma objetividade rigorosa e um conhecimento direto do país através de constantes pesquisas e viagens. Principalmente no seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, este intelectual brasileiro escreve sobre as características econômicas, administrativas, populacionais e sociais do território brasileiro desde o início de sua colonização até os primeiros anos do século XIX. Para Prado, no início do século XIX, o colonizador já estava estabilizado no Brasil. A partir do momento em que considera uma ruptura do sistema colonial, Prado destaca como sua principal conclusão, que mais de um século após a Independência, o Brasil ainda mantém, em diversos aspectos, as características de colônia, principalmente na área da economia e da sociedade.
Outro autor é Raymundo Faoro. Com seu livro Os donos do poder, Faoro combina os instrumentos da sociologia, do direito, da história e da ciência política para elaborar um estudo amplo, desde a colônia até a revolução de 1930. Faoro fala principalmente das dificuldades em separar o patrimônio público dos bens privados e dos obstáculos para a construção de um Estado Moderno54. Outro historiador desta década, Luiz Felipe Alencastro (2000)55, analisa o Brasil no contexto do Atlântico Sul. Alencastro formula a tese paradoxal de que “o Brasil formou-se fora do Brasil”56. Como explicar isto? Alencastro diz que Brasil não parte da formação do território colonial português na América do Sul, mas do espaço econômico e social que se consolidou na área Atlântica (entre a costa litorânea brasileira e a africana). Dentro desse espaço, a produção escravista portuguesa do continente sul-americano conectou-se durante cerca de três séculos à área ocidental africana, manifestando-se no "negócio negreiro"57. Segundo Alencastro, examinando os meios de intercâmbio e sintetizando as trocas intercoloniais, foi nesse contexto que nasceu o Brasil no século XVIII. Alegorica e literalmente, as rotas do comércio negreiro português são reconstituídas saindo de Luanda, passando pelo Rio de Janeiro e indo em direção a Buenos Aires. Lisboa é integrada ao grande comércio negreiro do Atlântico Sul como “plataforma giratória das trocas entre a Europa e a África”; tudo para explicar a singularidade brasileira.58 As guerras angolanas e o comércio português da cachaça são lembrados nesta obra.
Esta violência vinda de uma história trágica e dramática, hoje faz parte de um sistema mundial que se estabeleceu durante séculos. Com a técnica desenvolvida e os meios de comunicação avançados, ela tomou um rumo que resulta nas estatísticas assustadoras. Os sistemas e as estruturas sociais determinam os atos e os eventos da população. Com foco na violência contra a mulher, mas igualmente aplicável à violência contra o jovem, Beatrix Schiele descreve ambientes férteis para a violência, dizendo:
O lado violento de uma injustiça manifesta-se exatamente onde as condições políticas que podem ser modificadas são deixadas do jeito que estão, mesmo quando isto é causa de sofrimento; onde se inventam razões e justificativas, por exemplo, para privar de determinadas liberdades por causa de certas qualidades corporais; onde as mulheres, quando não tomam cuidado, são deixadas sem proteção contra ameaças, isto é, quando por causa do medo são forçadas a restringir elas próprias a sua liberdade.59
A Bahia, certamente, mostra esta constelação precária de política e apresenta um ambiente fértil para a violência e uma atitude discriminadora. Schiele traz a complexa história da construção colonial que, nas suas raízes, já exercita um pensamento racista de “uma maneira mais ou menos declarada a valer como critério para justificar a injustiça”60. O aparelho político da violência contém meios como:
- Penalidades corporais e psíquicas que forçam as pessoas a se comportarem de uma determinada maneira (armadilhas, vigilância, violência física, tortura, etc.);
- Adoção de leis e de estruturas que negam direitos gerais a determinados grupos de pessoas (educação, posse de terra, direito à assistência médica, trabalho, autodeterminação etc.) e exercitam a exclusão de diferentes grupos frente às leis estabelecidas, quando se trata da aplicação das mesmas (por exemplo, a violência contra negras ou estrangeiras não recebe as mesmas penalidades que a violência contra brancas ou nativas).61
Que a violência é social e histórica e que não podemos reduzi-la às dimensões do biológico são afirmações colocadas pelos autores Márcia Regina da Costa e Carlos Alberto Máximo Pimenta. Eles abordam como a violência, no decorrer dos séculos IX e XX, adquiriu força material. Konrad Lorenz com a sua hipótese que relacionava agressividade a uma força vital existente no mundo animal, já não recebe tanto apoio desses dois autores, como o psiquiatra e filósofo Frantz Fanon com a sua exposição Os condenados da terra. 62
Fanon dá ênfase à violência dentro do processo das lutas de libertação nacional travadas pelos grupos que, principalmente após da Segunda Guerra Mundial, lutavam para libertar os seus países da dominação colonial de séculos pela Europa. Fanon, no seu livro, argumenta que somente a violência entendida como instrumento libertador, dentro da luta de descolonização dos países colonizados contra o colonizador europeu, seria capaz de romper a relação de dominação. Segundo Fanon, “a violência inicial não é do colonizado e sim do colonizador, o qual além de expropriar as riquezas e recursos naturais da colônia também expropria o colonizado e o impede de ter acesso à língua e cultura de sua terra natal”63. Fanon, neste sentido, apoia os meios violentos utilizados pelo colonizado na luta pela libertação, dando à violência um papel criativo e importante: “la décolonisation est toujours um phénomène violent [...] [c]ar la violence, e c´est là le scandale, peut constituer, en tant que méthode, le mot d´ordre d´un parti politique”.64 Fanon examina a violência em si, a violência no contexto internacional e a violência frente às guerras coloniais, analisando a cultura nacional: “Il est banal, en effet, de constater que depuis plusieurs décades de nombreux chercheurs européens ont, en gros, réhabilité les civilisations africaines, mexicaines ou péruviennes”65. Podemos acrescentar a essas civilizações a civilização brasileira.
Séculos de exploração e de dominação violenta não se recuperam milagrosamente. Abraçamos a perspectiva de Marilena Chauí que vê a ética e a violência como componentes opostos, uma vez que violência significa ir contra a vontade e a liberdade de uma pessoa, brutalizando-a, como também todo ato de transgressão e de violação, tanto na natureza quanto na sociedade. “A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou passivos”66. O Brasil, neste contexto, para Chauí, apresenta uma situação paradoxal: “de um lado, grita-se contra a violência e pede-se um ‘retorno à ética’ e, de outro, são produzidas imagens e explicações para a violência tais que a violência real jamais possa se tornar visível e compreensível”67. O diagnóstico dessa filósofa traz quatro dispositivos principais que levam à atual estrutura violenta da sociedade: o dispositivo jurídico (localizando a violência apenas no crime contra a propriedade e contra vida); um dispositivo sociológico (considerando a violência um momento de anomia social68, um momento no qual grupos sociais "atrasados" ou "arcaicos" entram em contato com grupos sociais "modernos" e, "desadaptados", tornam-se violentos); um dispositivo de exclusão (distinguindo entre um "nós não-violentos" e um "eles violentos", "eles" sendo todos aqueles que, "atrasados" e deserdados, empregam a força contra a propriedade e a vida de "nós não-violentos"); e um dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental. Referindo-se ao Brasil, Chauí explica, esse último ponto como algo que “por essência, a sociedade brasileira não seria violenta e, portanto, a violência é apenas um acidente na superfície social sem tocar em seu fundo essencialmente não-violento”69. Consequentemente, os meios de comunicação se referem à violência com as palavras "surto", "onda", "epidemia", "crise", isto é, termos que indicam algo passageiro e acidental. Uma análise profunda da dinâmica da ética na sociedade leva Chauí a concluir: a vitimização faz com que o agir ou a ação fique concentrada nas mãos dos não-sofredores, das não-vítimas que devem trazer, de fora, a justiça para os injustiçados. Estes, portanto, perderam a condição de sujeitos éticos para se tornar objetos de nossa compaixão e, consequentemente, para que os não-sofredores possam ser éticos é preciso duas violências: a primeira, factual, é a existência de vítimas; a segunda, o tratamento do outro como vítima sofredora, passiva e inerte. Além disso, a imagem do Mal e a da vítima são dotadas de poder midiático: são poderosas imagens de espetáculo para nossa indignação e compaixão, acalmando nossa consciência. Precisamos das imagens da violência e do Mal para nos considerarmos sujeitos éticos.70
Vejo que a análise de Chauí joga luz na nossa discussão e a coloca no contexto sociológico. Acatamos a posição dela, como também da filósofa Hannah Arendt. No seu livro Sobre a violência 71, Arendt critica concepções que unem violência e criatividade, argumentando que a violência nega o papel do social e da cultura na produção humana e na própria sociedade. A violência como ação, meio ou instrumento, representa o rompimento com a forma estabelecida e traz mudança, mas segundo Arendt “a mudança mais provável é para um mundo mais violento”72. Esta posição também é percebida pelas mães órfãs como veremos no segundo capítulo.
Precisamos dar uma olhada na questão racial que, atualmente no Brasil, está sendo muito discutida. O racismo aqui praticado é bastante dissimulado e sutil, expressando-se no “embranquecimento” do negro73. Durante muito tempo, a população negra brasileira foi restrita à área de serviços ou de cozinha, aos piores postos de empregos e à pouca visibilidade social, cultural, política e econômica, a não ser por seu lado estético-erótico. As mulheres negras de Salvador me contaram da dura realidade, carregando trouxas nas cabeças, quebrando as costas, lavando roupas para as famílias brancas e servindo às madames nobres a vida inteira. As nossas elites aristocráticas e conservadoras evitaram explicar o ódio racial contra os negros e camuflaram esses conflitos forjando o que, na metade do século XX, institucionalizamos como “democracia cordial” ou “cordialidade racial”74. Porém, vemos que o preconceito no Brasil vai além do econômico, penetrando o sociocultural e o racial:
Do período da escravidão à sua extinção, sabemos que os negros não foram incorporados à lógica do processo industrial, [...] [e]ssa segregação pouco ruidosa, em termos de resistência e conflito, empurrou a população negra para os morros ou bairros afastados da cidade, às precárias formas de subsistência, à rejeição dos valores da cultura negra, às limitações de acesso a lugares, clubes, escolas e espaços culturais frequentados por brancos.75
A passagem da colônia brasileira ao Império e, então, para a República, não resolveu os problemas raciais, socioculturais ou econômicos. Negros, mulheres, índios, operários e agricultores viviam constantemente conflitos violentos e preocupantes. O que está por trás desses conflitos é uma estrutura violenta com as suas raízes na história colonial:
Se se quiser buscar um denominador comum com referência à violência entre as muitas e às vezes conflitantes teorias sociológicas hoje predominantes, é mais provável encontrá-lo no tocante à gênese estrutural do conflito. Injustiças na distribuição das riquezas e privilégios na sociedade são geralmente consideradas entre os cientistas sociais como inevitáveis fontes de conflito. Além disso, já que os regimes políticos (refletindo as desigualdades sociais existentes) recorrem a sanções violentas para desafiar a autoridade.76
Pechey identifica as explicações principais para a violência nas sociedades:
- A teoria da frustração-agressão, dizendo que a frustração leva a descarga da agressão e,
- A teoria do aprendizado-social, que se refere à importância da cultura na formação do caráter.77
Este primeiro ponto alude ao mecanismo presente na relação linear entre a frustração de atividades orientadas a um fim e os atos agressivos. Em outras palavras: onde existe agressão, houve frustração antes. Ou seja: agressão segue frustração. A segunda teoria rejeita as noções de instinto como raiz da agressão e dá importância à cultura, explicando que agressão é um processo social. Violência é vista como consequência social. Entendemos que uma combinação destas duas teorias explica a realidade no nosso contexto.
Certo é que mecanismos de dominação levam a conflitos. Nas construções de organização política e econômica, é importante lembrar de componentes que provocam conflitos: produtos de matéria prima como terra, petróleo e ouro, ou o mercado de produtos agrícolas como açúcar, algodão, café e cacau, e a transferência dos mesmos, são objetos de guerra em grande parte do mundo. As relações internacionais com as suas estruturas econômicas revelam o fenômeno da agressividade e da exploração.
Vivemos em países com história colonial que até hoje sofrem com altos índices de vítimas. Milhões de pessoas sofrem mortes violentas. Não faltam exemplos de violências internacionais numa escala escandalosa. Tivemos Auschwitz/Buchenwald/Dachau, Hiroshima/Nagasaki, Camboja (the killing fields) e Ruanda/Congo Kinshasa. Deixamos um século de genocídio com duas guerras mundiais e inúmeras guerras locais, como, por exemplo, Iraque e Bósnia. Passamos por mais uma década de conflitos sangrentos nos níveis nacionais. Impressionante, a quantidade de vítimas que a América Latina teve no século XX, dentre elas desaparecidos anônimos, indígenas, mulheres e crianças pobres. As lutas do povo sofrido por vida e por dignidade questionam as estruturas opressoras e desafiam os responsáveis nacionais e internacionais.
[...]
1 Cf.: http://www.cesep.org.br. Acesso: 08.03.2010, 11:10:30. (O Curso de Verão é um Curso de espiritualidade ecumênica, realizado através de uma metodologia de educação popular, feito em mutirão e oferecendo um espaço de partilha, que propicia uma formação básica no campo bíblico, teológico, pastoral e em temas emergentes, seja nas igrejas, seja na sociedade).
2 Antes disso, eu morei por cinco anos na África, em regiões de violentos e de pesados conflitos tribais, como também trabalhei em regiões urbanas, com alto índice de violência, (por exemplo, centro de Dublin - Seán McDermot Street/Henrietta Lane na Irlanda).
3 Cf.: http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/dissidente+chines+ganha+premio+nobel+da+paz/n1237794992159.html. Acesso: 14.10.2010, 15:58:20. O chinês Liu Xiaobo recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2010. Liu cumpre uma sentença de onze anos por "incitar a subversão ao poder do Estado", após assinar um manifesto em 2008, no qual defende uma reforma democrática na China. O poeta e também professor de literatura Liu receberá o prêmio "por seu longo trabalho não violento em favor dos direitos humanos na China", disse a comissão da premiação. “Nas últimas duas décadas, Liu Xiaobo foi um grande porta-voz em favor da aplicação dos direitos fundamentais na China", afirmou a instituição, que lembrou a participação do ativista no protesto da Praça da Paz Celestial de 1989, em Pequim, reprimida pelo regime chinês.
4 Mães órfãs: um termo que uso para descrever as mães que perderam os seus filhos por causa da violência, o inverso das crianças órfãs. Não é um termo muito usado. Poucas vezes escutei este termo ser usado por mães nesta situação. Ele descreve o sentimento correspondente ao de uma criança depois da morte da mãe ou do pai. O termo “mãe” exige a existência de um/a filho/a. A perda de sua criança faz a mãe sentir um grande vazio, num certo sentido como o da criança “órfã”.
5 MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo: Ática, 1989.
6 CHAUÍ, Marilena. Ética e violência, colóquio e interlocuções. Londrina: s.n., 1998.
7 ZALUAR, Alba, “Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização”. São Paulo em Perspectiva: Revista da Fundação Seade. São Paulo: Fundação Seade, 1999, p. 3-17.
8 GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: Paz e Terra/UNESP, 1990.
9 COSTA, Marcia Regina da; PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. A violência: natural ou sociocultural? São Paulo: Paulus, 2006, p. 8-10.
10 SUESS, Paulo. Introdução à teologia da missão. Convocar e enviar: servos e testemunhas do reino. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007, p. 18.
11 SUESS, Paulo. Introdução à teologia da missão, p. 15.
12 Cf. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1995, p. 99-113.
13 Cf. DENSCOMBE, Martyn. The good research guide: for small-scale social research projects. 2. ed. Philadelphia: Open University Press, 2003, p. 83-138.
14 Cf. DENSCOMBE, Martyn. The good research guide, p. 83-138.
15 Cf.: SCHUESSLER-FIORENZA, Elisabeth. “Violência contra a mulher”. Concilium /252. SCHUESSLER-FIORENZA, Elisabeth; COPELAND-SHAWN, Mary (org.): Teologia Feminista. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994, p. 5163-25183. “O feminicídio - assassinato de mulheres – é o resultado fatal de tamanha violência. Muitíssimas mulheres em todo o mundo são assassinadas em seus lares por homens com quem compartilharam sua vida diária”, p. 8166. Cf. também: http://es.wikipedia.org/wiki/Femicidio. Acesso: 24.04.2010, às 10:42:30. Diana Russell e Jim Radford escreveram sobre esta matéria no livro titulado: "Femicide. The politics of woman killing". Outro termo é o “ecocídio” cujas consequências se mostram na destruição da natureza e na mudança climática que ameaça espécies de flora e de fauna.
16 Como a polícia se posiciona e qual é o ponto de vista dela diante do fenômeno da violência, que ela mesma exercita, seria o próximo passo lógico e levaria à outra pesquisa. Sentimos fortemente as consequências do “ecocídio” aludindo à destruição da natureza e à mudança climática que ameaça espécies de flora e de fauna.
17 KEHL, Maria Rita. “Civilização partida”. In: NOVAES, Adauto (org.). Civilização e barbárie. São Paulo: Companhia de Letras, 2004, p. 122.
18 HÄRING, Hermann. “Entre a teoria, a prática e a imaginação”. CONCILIUM. TRACY, David; HÄRING, Hermann (org.): O fascínio do mal. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998, p. 33
19 Cf.: WILS, J.-P. “A violência como constante antropológica”. Concilium. KUSCHEL, Karl-Josef; BEUKEN, Wim (org.): Religião – Fonte de Violência?. Petrópolis/RJ: Vozes, 1997, p. 145721.
20 PLAZA, Ángel Barahona. “Violência”. IN: VILLA, Mariano Moreno. Dicionário de pensamento contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2000, p. 773.
21 FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
22 Cf.: Ibid.
23 BAUM, Gregory. “Pode haver uma sociedade sem violência?”. CONCILIUM. TRACY, David; HÄRING, Hermann (org.): O fascínio do mal. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998, p. 27.
24 Ibid., p. 28.
25 BAUM, Gregory. “Pode haver uma sociedade sem violência?” , p. 25.
26 Ibid., p. 25-26.
27 Ibid., p. 26.
28 Interessante observar que Gandhi e Martin Luther King foram assassinados por fanáticos, os quais, contudo, não puseram fim às ideias desses grandes homens.
29 Cf.: BÍBLIA. Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Bíblia Sagrada. São Paulo/Aparecida/Petrópolis/: Loyola, Ave Maria, Salesiana, Paulus, Paulinas, Santuário, Vozes, 2002. O homicídio de Abel por Caim é um exemplo clássico: “Caim disse a seu irmão Abel: ‘Vamos ao campo!’ Logo em seguida o forte diálogo entre Deus e Caim: “O Senhor perguntou a Caim: ‘Onde está teu irmão Abel?’ Ele respondeu: ‘Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?’ (Gn 4,9)”. Mas, quando estavam no campo, Caim atirou-se sobre seu irmão Abel e o matou” (Gn 4,8). Também: DOMIN, Hilde. Gesammelte Gedichte. Frankfurt am Main: S. Fischer, 2006, p. 364-365. Aprecio muito a escritora e poetisa alemã e judia, Hilde Domin, que viveu por vinte e dois anos no exílio (incluindo a República Dominicana, de onde tirou o seu nome artístico), e o seu poema Abel steh auf (Levante-te Abel) que diz: “Abel, levante-te/Abel, levante-te/outra vez deve ser jogado/diariamente deve ser jogado outra vez/diariamente ainda a resposta deve estar diante de nós/a resposta deve ser permitida a ser/se tu não se levantas, Abel/como deve ser a resposta/esta somente importante resposta/uma vez mudar-se/podemos fechar todas as igrejas /e abolir todos os livros da lei/em todas as línguas da terra/somente quando tu te levantas/e a desfaz/a primeira resposta errada/à única questão/que importa/levante-te/para que Caim fale/para que ele possa falar/eu sou teu guardião/irmão/para que os filhos de Abel/não mais temam/porque Caim não se torna Caim/eu escrevo isso/eu, uma filha de Abel/e cotidianamente tenho medo /frente à resposta/o ar nos meus pulmões diminui/quando espero a resposta/Abel, levante-te/para que tudo comece diferente/entre nós todos/os fogos que queimam/o fogo que queima na terra/deve ser o fogo de Abel/e no rabo dos foguetes/devem ser os fogos de Abel”. (tradução da pesquisadora).
30 Entrevistas transcritas, A1- 6-7.
31 WILFRED, Felix. “Martírio nas tradições religiosas”. Concilium. OKURE, Teresa ; SOBRINO, Jon; WILFRED, Felix (org.): Repensando o martírio. Petrópolis/RJ: Vozes, 2003, 80.
32 GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: Paz e Terra/UNESP, 1990.
33 SUESS, Paulo. Introdução à teologia da missão, p. 169.
34 WILS. “A violência como constante antropológica”, p. 147723. Titulo do livro do Frans de Waal: “Bom por natureza: sobre a origem do bem e do mal no homem e em outros animais” - “Van nature goed. Over de oorspong van goed em kwaad in mensen em andere dieren”, Antuépia, 1996.
35 Ibid., p. 147723-148724.
36 Ibid., p. 148724.
37 Ibid.
38 Cf.: Ibid., [teorias de Paul Watzlawick].
39 Ibid., p. 153729.
40 Cf.: ROUANET, Sérgio Paulo. “O bom e o mau selvagem”. Brasil 500 anos, experiência e destino: a outra imagem do ocidente. São Paulo: Instituto Cultural Itaú/Orbis Descriptio, p, 1997, p. 28-29. [Em relação aos mitos selvagens brasileiros Rouanet observa: “O que poucos perceberam é que os mitos europeus sobre O Brasil têm uma contrapartida exata dos mitos brasileiros sobre os europeus. Ao mito do bom e do mal ‘selvagem’ correspondem, respectivamente, entre nós, o mito do bom e do mau ‘civilizado’.”]
41 Cf.: ROCHA, Manoel Ribeiro. Etiópe resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído e libertado: discurso sobre a libertação dos escravos no Brasil de 1758. SUESS, Paulo (introdução crítica). Petrópolis/RJ: Vozes, 1992, p. XXXIV.
42 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Editora Itapuã, 1969, p. 184-186. Cf. também: ROCHA, Manoel Ribeiro. Etiópe resgatado, empenhado, sustentado, corrigido, instruído e libertado: discurso sobre a libertação dos escravos no Brasil de 1758. SUESS, Paulo (introdução crítica). Petrópolis/RJ: Vozes, 1992, p. XXIV.
43 BEOZZO, José Oscar. “Evangelho e escravidão na teologia latino-americana”. In: RICHARD, Pablo, org. Raízes da teologia latino-americana. Paulinas: São Paulo, 1988, p. 86-89. [Cf.: quebra da fraternidade, cf. 1 Cor 11,20-22; herança da política de Aristóteles com povos naturalmente escravos e outros naturalmente livres; sermão de Montesinos pregado na Ilha de Cuba em 1511].
44 Cf.: Ibid., p. 89. Carta do Nóbrega (1550): ele pede inquisidores e comissários para libertar os escravos.
45 Cf.: Ibid., p. 91. Escravos “fabricados entre os próprios índios” para responder à necessidade de escravos para as plantações e serviços de colégios e, que representou grande preocupação da credibilidade da Igreja; Cf.: Carta do Ir. Pero Correia ao Pe. Simão Rodrigues em 1553, p. 92-93).
46 Cf.: Ibid., p. 94-95.
47 BEOZZO, José Oscar. “A escravidão que fez e explica o Brasil”. Archétypon: Revista da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas (ano 2, no. 4). Rio de Janeiro: UCAM, 1993, p. 101. [Carta de Pe. Antonio Vieira: “Sem Angola, não há Brasil!”].
48 Cf.: Ibid., p. 101-122.
49 PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945, p. 150.
50 Ibid., p. 72.
51 FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1933.
52 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1958.
53 Cf.: PRADO, Caio Júnior. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. São Paulo: Martins, 1942. Outras obras dele: Evolução política do Brasil (1933), História econômica do Brasil (1945) e A revolução brasileira (1966).
54 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do Patronato Político Brasileiro Porto Alegre/São Paulo: Globo, 2001.
55 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
56 Cf.: http://nuevomundo.revues.org/354, Acesso 08.05.2010, 18:10:30. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
57 Ibid.
58 Ibid.
59 SCHIELE, Beatrix. “Violência e justiça”. Concilium /252. SCHUESSLER-FIORENZA, Elisabeth; COPELAND-SHAWN, Mary (org.): Teologia Feminista. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994, p. 52210.
60 Ibid., p. 53211.
61 Cf. Ibid., p. 57215.
62 FANON, Frantz. Les damnés de la terre. 2. ed. Paris: Maspero, 1968.
63 Cf.: COSTA, Marcia Regina da; PIMENTA, Carlos Alberto Máximo. A violência: natural ou sociocultural? São Paulo: Paulus, 2006, p. 20.
64 FANON, Frantz. Les damnés de la terre, p. 5, 35.
65 Ibid., p. 143.
66 CHAUÍ , Marilena. “Uma ideologia perversa ”. Folha de São Paulo , 14/03/1999 . Caderno “ Mais ”, p. 5-3.
67 Ibid.
68 Situação em que há divergência ou conflito entre normas sociais, tornando-se difícil para o indivíduo respeitá-las igualmente.
69 CHAUÍ, Marilena . “Uma ideologia perversa ”, p. 5-3. [“Dessa maneira, as desigualdades econômicas, sociais e culturais, as exclusões econômicas, políticas e sociais, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção como forma de funcionamento das instituições, o racismo, o sexismo, as intolerâncias religiosa, sexual e política não são considerados formas de violência, isto é, a sociedade brasileira não é percebida como estruturalmente violenta e por isso a violência aparece como um fato esporádico superável.]
70 Ibid.
71 ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
72 Ibid., p. 58.
73 Cf.: Um livro que trata este assunto de uma maneira analítico-crítica é do HOFBAUER, Andreas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. São Paulo: Unesp, 2006.
74 COSTA; PIMENTA. A violência: natural ou sociocultural?, p. 55.
75 Ibid., p. 55-56.
76 PECHEY, Paul. “Reflexões antropológicas e sociológicas sobre agressão humana e conflitos sociais”. Concilium. ELIZONDO, Virgil; GREINACHER, Norbert (org.): Igreja e paz. Petrópolis/RJ: Vozes, 1983, p. 11395.
77 Cf.: Ibid., p. 11395-12396.
- Citation du texte
- Regina Reinart (Auteur), 2010, Missão em contextos de violência. Desespero e esperança de mulheres cujos filhos foram assassinados em Salvador/Bahia, Munich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/703418
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