Die vorliegende Magisterarbeit untersucht die Verwendung der deutschen ortsdeiktischen Adverbien hier, da und dort, durch Schüler der 8. bis 11. Klasse aus drei deutsch-brasilianischen Schulen in São Paulo. Die Untersuchung basiert auf einem Korpus von Aufsätzen, die von Informanten aus drei Populationen – Muttersprachler und Fremdsprachler des Deutschen sowie eine gemischte Gruppe – in deutscher Sprache geschrieben wurden. Die Analyse verwendet theoretische Modelle der Deixis, des Zweitspracherwerbs und der Textlinguistik, insbesondere der Kohäsion und der Texttypologie.
Die Untersuchung wurde in vier Phasen organisiert. Als erster Schritt wurden die Daten gesammelt und getippt. Nachfolgend wurden alle Vorkommen von hier, da und dort im Korpus markiert. Drittens wurden die Vorkommen quantifiziert und in Beziehung auf die deiktischen Modi, in den sie vorkommen, klassifiziert: Realdeixis, Phorik und Textdeixis. Schließlich wurden die Ergebnisse im Hinblick auf die vier untersuchten Klassenstufen interpretiert, wobei drei Faktoren berücksichtigt wurden: der input im Klassenzimmer, die Interferenz der Muttersprache und die kognitive Entwicklung der Informanten.
Das Hauptziel der Untersuchung besteht darin, zu verifizieren, ob ein quantitativer Unterschied besteht in den Vorkommen der Adverbien hier, da und dort und der drei deiktischen Modi, in den vier untersuchten Klassenstufen und in den drei Informanten-Populationen. Eines der Ergebnisse der Analyse ist die Beobachtung, daß da in allen Klassen häufiger vorkommt als hier und dort, bei Muttersprachlern ebenso wie bei Fremdsprachlern des Deutschen. Allerdings variiert der Prozentsatz der Vorkommen von hier, da und dort in Relation zur Gesamtzahl der Text-Wörter im Korpus in den drei Populationen. Hier und dort werden in der Population der Fremdsprachler häufiger benutzt als von den Muttersprachlern, während da in der Produktion der Muttersprachler häufiger ist. Die hohe Frequenz von da wird als ein Ergebnis seines archideiktischen Charakters interpretiert. Die Tatsache, daß die drei Adverbien in der Produktion der Informanten aller vier Klassen in allen Populationen vorkommen, zeigt, daß hier, da und dort von den Informanten schon vor der Datensammlung gelernt/erworben worden sein müssen.
Sumário
1. Introdução
2. Assunto do trabalho
3. Os dados
3.1 Caracterização dos dados
3.2 Levantamento dos dados
3.3 Digitação e organização
3.4 Informantes e populações
3.5 As escolas
3.6 Os livros didáticos
4. Fundamentação teórica
4.1 Teoria da dêixis espacial
4.2 Aspectos relevantes da lingüística textual
4.3 Aquisição de línguas estrangeiras
4.4 Aspectos metodológicos
5. Descrição dos critérios e do procedimento da análise
6. Análise do corpus
6.1 Introdução
6.1.1 Classificação de da
6.1.2 Gêneros textuais no corpus
6.2 Comportamento global de hier, da e dort
6.3 Comportamento de hier da 8a à 11a série
6.4 Comportamento de da da 8a à 11a série
6.5 Comportamento de dort da 8a à 11a série
6.6 Comportamento dos compostos de hier, da e dort
6.7 Comportamento da dêixis real
6.8 Comportamento do uso fórico
6.9 Comportamento da dêixis textual
6.10 Diferenças entre falantes nativos e não-nativos
7. Considerações finais
8. Referências bibliográficas
9. Anexos
9.1.1 Distribuição de hier, da e dort nos grupos eliminados
9.1.2 Distribuição de hier, da e dort na dêixis real (nos grupos eliminados)
9.1.3 Distribuição de hier, da e dort na endófora (nos grupos eliminados)
9.1.4 Distribuição de hier, da e dort na dêixis textual (nos grupos eliminados)
9.2.1 Distribuição de hier, da e dort em cada grupo de redações
9.2.2 Distribuição de hier, da e dort por série, em cada população
9.2.3 Distribuição de hier, da e dort por série
9.3.1 Distribuição de hier, da e dort na dêixis real, em cada grupo de redações
9.3.2 Distribuição de hier, da e dort na dêixis real por série, em cada população
9.3.3 Distribuição de hier, da e dort na dêixis real por série
9.4.1 Distribuição de hier, da e dort na endófora, em cada grupo de redações
9.4.2 Distribuição de hier, da e dort na endófora por série, em cada população
9.4.3 Distribuição de hier, da e dort na endófora por série
9.5.1 Distribuição de hier, da e dort na dêixis textual, em cada grupo de redações
9.5.2 Distribuição de hier, da e dort na dêixis textual por série, em cada população
9.5.3 Distribuição de hier, da e dort por série
9.6.1 Distribuição de hier, da e dort no uso não-dêitico, em cada grupo de redações
9.6.2 Distribuição de hier, da e dort no uso não-dêitico por série, em cada população
9.6.3 Distribuição de hier, da e dort no uso não-dêitico por série
9.7 Redações do corpus: temas/títulos/tipos de texto
10. Resumos
10.1 Abstract
10.2 Resumo
10.3 Zusammenfassung
1. Introdução
Este trabalho foi elaborado durante os anos de 1997 a 1999 na Área de Alemão do Departamento de Letras Modernas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo (USP). O trabalho insere-se na linha de pesquisa Ensino/Aprendizagem de Alemão como Língua Estrangeira no Brasil. Durante muito tempo, os trabalhos dessa linha de pesquisa restringiram-se à análise de livros didáticos e a considerações filosóficas acerca do ensino de língua estrangeira. Somente em meados dos anos 90, as pesquisas sobre ensino/aprendizagem de alemão desenvolvidas na Área de Alemão da USP passaram a fundamentar-se em dados empíricos. A primeira dissertação de mestrado a adotar tal metodologia foi a de Roseli Timoxenco Moura, intitulada Juntores e referências na produção de textos escritos em língua alemã por alunos brasileiros,defendida em 06 de outubro de 1995. A meu ver, o trabalho empírico constitui um ganho metodológico, uma vez que garante resultados mais objetivos e verificáveis (cf. Castilho da Costa & Guedes Evangelista, 1998).
O plano de desenvolver a presente dissertação surgiu depois de ter terminado o curso de graduação em Letras (Português/Alemão), durante os anos de 1995/96 em que freqüentei o programa de especialização para professores de língua alemã, oferecido pelo então Instituto Pedagógico Brasil-Alemanha (IPBA), na cidade de São Paulo. Em virtude de minha formação e atividade como professora de alemão durante esse período, as questões relativas à aquisição da linguagem começaram a despertar a minha atenção. Em meu entender, o conhecimento científico sobre a aquisição da linguagem é um aspecto importante na fundamentação das atividades didáticas, na medida em que possibilita ao professor uma visão mais amadurecida de seus alunos e do processo pedagógico.
Esta pesquisa possui objetivos lingüístico-teóricos, mas também motivações na prática pedagógica. É importante ressaltar, porém, que não se visa uma aplicação imediata dos seus resultados em sala de aula, e sim, uma reflexão lingüística, cuja contribuição maior consiste no desenvolvimento de uma atitude crítica do professor em relação às possibilidades e aos limites do ensino de uma língua estrangeira.
Minha tarefa consiste na análise de produções escritas de alunos da 8a série do 1o à 3a série do 2o grau, de colégios teuto-brasileiros na cidade de São Paulo, a respeito do uso de advérbios dêiticos espaciais do alemão.
Os dados foram levantados, durante os anos de 1996 e 1997, junto a três instituições educacionais em São Paulo, capital: Colégio Humboldt, Colégio Benjamin Constant e Colégio Visconde de Porto Seguro. O corpus foi elaborado em conjunto com minha colega Maria Cristina Reckziegel Guedes Evangelista, cuja dissertação intitulada O uso dos verbos modais alemães na produção escrita de aprendizes brasileiros, se baseia no mesmo material. Cerca de 70% dos dados foram por ela coletados, sendo que os 30% restantes foram de minha responsabilidade.
A seguir, serão apresentados os elementos componentes da estrutura global do trabalho. No próximo capítulo (capítulo 2), apresentarei de forma sucinta o objeto de pesquisa deste trabalho, a saber, os advérbios dêiticos espaciais hier, da e dort e seus diversos tipos de uso. No terceiro capítulo, será feita uma descrição detalhada do corpus, para fornecer ao leitor as informações necessárias à compreensão da análise de dados. No quarto capítulo, elucidarei as ferramentas teóricas que utilizarei na análise: as teorias
- da dêixis (cf., p.ex., Bühler 1934=1982, Diewald 1991, Fuchs 1993, Jarvella & Klein 1982, Klein 1978),
- da coesão textual (cf., p.ex., Halliday & Hasan 1976, Koch 1989=1994, Fávero & Koch 1994, Klein & von Stutterheim 1987 e 1991),
- dos gêneros textuais (cf., p.ex., Biber 1986, Vater 1994, Raible 1972, Sandig 1972) e
- da aquisição de línguas estrangeiras (cf., p.ex., Krashen 1982, Klein 1992).
No quinto capítulo, farei uma descrição do método aplicado e das questões principais a serem investigadas na análise do corpus. A análise propriamente dita será finalmente realizada no sexto capítulo.
Gostaria de registrar meus agradecimentos a todos que contribuíram para a concretização desse projeto, em especial, ao CNPq, que o financiou durante mais de dois anos, ao orientador dessa pesquisa Prof. Dr. Hardarik Blühdorn, pela convivência que enriquece e atuação presente e atenta, a Maria Cristina Reckziegel Evangelista, que elaborou o corpus utilizado nessa pesquisa, amiga sempre generosa, aos Professores da Área de Alemão da USP em geral e, especificamente, à Profa. Dra. Masa Nomura, pelas críticas e sugestões, à Profa. Dra. Neide Gonzales (do Depto. de Letras Modernas da USP) pelas indagações e sugestões bibliográficas, ao Prof. Dr. Aleksandar Jovanovic (da Faculdade de Educação da USP), pela disposição em discutir este trabalho, ao Prof. Dr. Heinz Vater, pela leitura crítica e pelas idéias interessantes, a Sabine Prechter, pelos comentários sempre pertinentes, aos diretores, coordenadores pedagógicos, professores e alunos das seguintes instituições escolares: Colégio Humboldt, Colégio Benjamin Constant e Colégio Visconde de Porto Seguro e aos meus familiares que me apoiaram de todos os modos para a realização deste trabalho.
2. Assunto do trabalho
O trabalho ora apresentado pesquisa a utilização dos advérbios espaciais hier, da e dort em produções escritas em alemão por aprendizes brasileiros. Esses elementos são tradicionalmente considerados dêiticos. Por dêixis entende-se a referência por um elemento do enunciado à própria enunciação ou a um de seus componentes, i.e., um participante da comunicação, tempo ou lugar da enunciação. Bühler (1934=1982: 79-82) postula a existência de dois tipos de signo: de um lado o signo simbólico (Nennwort), que pertence ao chamado campo simbólico da língua, e, de outro, o signo dêitico (Zeigwort), que se encontra no campo indexal (Zeigfeld). Os signos simbólicos possuem um significado independentemente do contexto, enquanto o signo dêitico só conhece significado em dependência ao contexto.
Diewald (1991: 34) entende que o processo dêitico parte de um ponto-zero e aponta a um elemento do contexto (objeto dêitico). Tal processo fundamenta-se no contexto, daí seu caráter demonstrativo e reflexivo. Blühdorn (1995a: 119) acentua os aspectos cognitivos que envolvem a dêixis, durante os processos de codificação e decodificação. O autor define a dêixis como um processo de codificação de informação no âmbito dos acontecimentos da comunicação. Conforme Dubois & al. (1973:137) a dêixis é um modo particular de atualização em que determinados elementos lingüísticos referem-se ao momento e lugar da enunciação e/ou aos participantes da comunicação.
Seguindo Bühler (1934=1982) e Diewald (1991), podemos distinguir três tipos de dêixis. O primeiro refere-se imediatamente à situação de comunicação:
(1) A Internet aqui está lenta, quase parando. (Folha de São Paulo 29/09/96)
Com aqui o enunciador faz referência ao lugar em que se dá a enunciação (o Brasil), utilizando a si mesmo como entidade de referência. Nesse uso o advérbio tem função demonstrativa (cf. a etimologia da palavra dêixis: apontar).
Outro tipo de uso corresponde ao estabelecimento de relações fóricas (anáfora ou catáfora), em que um elemento do texto estabelece relação com outro elemento do texto:
(2) O estudante Henrique Ferreira Messias voltaria ao Clube Corinthians, onde havia treinado futebol pela manhã, para pegar uma carona com o pai, que trabalha lá como segurança. (Estado de São Paulo, 11/02/99)
Nesse exemplo, lá remete a um elemento do texto, o Clube Corinthians pré-mencionado. Tal relação pode ser interpretada metaforicamente como um apontar, porém, nesse caso, sintático.
O terceiro tipo consiste na referência à trechos do próprio texto:
(3) José Dias, depois de alguns instantes de concentração, veio ver se havia alguém no corredor [...]
Temos aqui duas fontes enunciativas: no narrador, que é a única fonte a dizer eu e José Dias, responsável por uma parte da enunciação. (Fiorin 1996: 75)
Como no segundo tipo, existe no terceiro, um processo interno ao texto. O que diferencia ambos os tipos de uso é o contexto. No caso do terceiro tipo de uso, o próprio texto é o espaço em que se encontra o objeto dêitico (cf. Diewald 1991: 122). O advérbio aqui aponta a um componente do próprio texto.
Diewald (1991: 110) usa os seguintes termos para denominar os três tipos de dêixis: dêixis real (ou situacional), endófora e dêixis textual[1]. Entre os três tipos existe uma gradação de complexidade, sendo a dêixis real a mais fundamental, a endófora de complexidade intermediária e a dêixis textual a mais complexa. A dêixis textual está particularmente ligada à linguagem escrita. Ela corresponde à codificação do texto como espaço. A utilização de dêiticos na endófora e na dêixis textual contribui para a construção da coesão textual.
A escolha do tema tratado no presente trabalho justifica-se em vista de hier, da e dort constituírem um sistema de advérbios espaciais, cuja correspondência com os advérbios aqui, aí, ali e lá não é exata, o que leva a problemas no ensino e aprendizado de alemão como língua estrangeira.
Hier indica proximidade entre a entidade situada e o falante, como objeto de referência. Dort indica afastamento entre as mesmas entidades, enquanto da assinala a identificabilidade de um objeto que se encontra distante do lugar do destinador. Para Blühdorn (1999), tal sistema pode ser ilustrado da seguinte maneira (F – falante, R – objeto de referência, E – entidade situada:
hier F,R,E
da F – R,E
dort F,R – E
Hier indica uma entidade situada E, que se encontra perto da entidade de referência R, função desempenhada pelo falante F. Da indica que a entidade de referência se encontra perto da entidade situada e ambas estão afastadas do falante F. Dort indica que a entidade de referência R é o falante F, do qual a entidade situada está afastada.
Da e hier apresentam proximidade da entidade de referência à entidade situada. Da e dort indicam ambos o afastamento da entidade situada ao falante. Devido a essas semelhanças que da compartilha com hier e dort, essa forma funciona como um elemento neutro no sistema triádico dos advérbios espaciais do alemão.
Em português, existem duas séries de advérbios de lugar: uma tricotômica (aqui, aí e ali) e uma dicotômica (cá e lá) (cf. Fiorin 1996: 266). Mattoso Câmara (1970: 124) destaca aqui como o locativo da área do falante, aí, como locativo da área do destinatário e ali, como locativo de uma terceira área, distante do falante e do destinatário.
À série dicotômica corresponde a oposição cá (próximo ao falante e destinatário) vs. lá (distante de ambos). A essa série dicotômica acrescenta-se a forma acolá, que indica outro lugar distante do falante e do destinatário.
A relação entre os dois sistemas pode ser ilustrada da seguinte maneira:
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Por haver interferências entre as séries aqui, aí e ali e cá, lá e acolá,ocorrem, em determinados contextos, permutações entre cá e aqui e entre lá e ali (cf. Mattoso Câmara 1970: 124). Nesses pares de advérbios, desenvolveu-se uma nova especialização, segundo a qual aqui tende mais fortemente a codificar localizações estáticas, ao passo que cá, a codificar localizações dinâmicas. A especialização entre lá e ali prevê que ali privilegia o uso situacional e lá, o endofórico.
Em vista das diferenças entre os dois sistemas, é provável que os aprendizes brasileiros de alemão apresentem dificuldades com relação à utilização dos advérbios alemães, podendo haver interferências do português, nas quais se refletem as diferenças dos dois sistemas.
Uma das hipóteses pelas quais o presente trabalho se guia é a de que os dêiticos locais são utilizados, nos primeiros estágios da aquisição de uma língua estrangeira, para fazer referência ao espaço, em relação ao lugar do enunciador. Nos estágios posteriores, serão utilizados em outras funções, por exemplo, na endófora e na dêixis textual.
Diewald afirma haver numerosas pesquisas sobre a aquisição da dêixis real e da endófora (cf. Becker 1994, Carroll & Becker 1993, Becker, Carroll & Kelly 1988, Carroll & Von Stutterheim 1993, Ehlich 1982, Klein 1983, Redder 1984, Von Stutterheim 1986), onde se verificou que a dêixis real é o primeiro tipo de uso dêitico a ser adquirido, por se referir à situação de comunicação canônica, que é a primeira com que a criança se confronta. Por outro lado, existem poucos estudos a respeito da aquisição da dêixis textual, que deve ser adquirida posteriormente aos usos mais fundamentais em virtude de sua complexidade (cf. Diewald 1991: 111).
O presente trabalho não poderá preencher essa lacuna. As ocorrências de hier, da e dort como dêiticos textuais são raras no corpus. Além disso, a aquisição não é objeto imediato deste trabalho. Meu objetivo é descrever as ocorrências de advérbios espaciais no material produzido pelos informantes. Essas ocorrências podem ser interpretadas como reflexos indiretos de processos subjacentes de aquisição, mas como a conexão é indireta, as conclusões permanecem, por enquanto, hipotéticas. Com a descrição do uso de dêiticos em produções em alemão por aprendizes brasileiros de diversos níveis, pretendo contribuir indiretamente para a discussão das questões relativas à aquisição de dêiticos na língua estrangeira.
Pelo exposto, os objetivos deste trabalho são:
- observar se há uma seqüência de aparecimento dos três advérbios,
- verificar se existe uma ordem de surgimento dos seus diferentes usos (situacional, endofórico e textual) e
- analisar sua utilização como meios coesivos na construção do texto escrito.
3. Os dados
O corpus em que se fundamenta este trabalho é composto de 882 redações, em língua alemã, escritas nos anos de 1996 e 1997 por escolares de 8a série do 1o grau à 3a série do 2o grau de três escolas teuto-brasileiras da cidade de São Paulo, a saber, dos Colégios Humboldt, Visconde de Porto Seguro e Benjamin Constant. Entre os informantes, há falantes nativos do português e do alemão, em turmas distintas.
3.1 Caracterização dos dados
O corpus contém um total de 146.440 palavras, entre as quais 1.140 ocorrências dos advérbios locais hier, da e dort. As redações dividem-se em 53 grupos, conforme foram produzidas por diferentes turmas de aprendizes em diferentes ocasiões. Dos grupos, 22 compõem-se de produções de falantes nativos do português, 12, de produções de falantes nativos do alemão, e 19 provêm de turmas mistas. Há exemplares de vários gêneros textuais, divididos entre textos narrativos, descritivos e argumentativos, sendo que os primeiros ocorrem com maior freqüência nas séries mais baixas e nas turmas de falantes nativos do português, enquanto os últimos se sobressaem nas séries mais avançadas, particularmente na população dos falantes nativos de alemão. Em alguns grupos, todas as redações tratam do mesmo tema, em outros foram oferecidos 2 ou mais temas para livre escolha.
A partir desses dados, pretendemos formular hipóteses sobre a competência dos informantes na escrita. Cabe lembrar que a competência lingüística se manifesta tanto em habilidades produtivas (produção oral e escrita) quanto receptivas (compreensão de textos orais e escritos). Sobre a competência oral, este trabalho não poderá trazer nenhuma contribuição, e tampouco sobre a competência receptiva. A fim de obter um panorama mais completo da competência dos alunos na língua estrangeira, certamente teria sido ideal trabalhar com dados orais, gravados em situações autênticas de comunicação. Contudo não dispunhamos das condições físicas e técnicas para gravar e transcrever dados desse tipo, o que justifica a escolha de dados escritos.
Com respeito à diversidade de tipos de texto, um corpus pode ser homogêneo ou heterogêneo. Posto que este estudo não está voltado a aspectos específicos de um gênero textual e que a utilização de advérbios dêiticos locais não se restringe a um único gênero, não teria sido interessante utilizar um corpus constituído de textos de um só tipo. Isso não corresponderia à realidade da comunicação, nem da produção efetuada pelos alunos.
Stricto sensu, os nossos dados não permitiriam conclusões em relação à aquisição de alemão como língua estrangeira, por serem produzidos em situações em que poderia haver planejamento prévio. Devido às motivações parcialmente pedagógicas de meu trabalho, entendo, porém, que toda produção de escolares deve estar ligada de alguma forma, mesmo que indireta, à aquisição da linguagem. Portanto, espera-se que os resultados deste trabalho reflitam, ao menos, alguns aspectos válidos desse processo.
3.2 Levantamento dos dados
Como plano inicial, pretendia levantar um corpus próprio para esta dissertação. Ao começar a realizar o levantamento, percebi, no entanto, que a digitação ocuparia tanto tempo, que a realização da análise dos dados estaria prejudicada. Como na Área de Alemão foi desenvolvido paralelamente um outro corpus, organizado pela colega Maria Cristina Reckziegel Guedes Evangelista, sob a orientação do mesmo docente, optou-se por trabalhar conjuntamente para a finalização do corpus. Assim, contribuí para a sua elaboração, levantando o material que faltava para completá-lo. O mesmo corpus serviu, portanto, aos dois estudos.
Todos os dados foram produzidos conforme o programa desenvolvido pelas escolas e não para serem investigados lingüisticamente. Os textos dividem-se em dois tipos: redações produzidas como lição de casa e redações produzidas em sala de aula, entre as quais há provas de proficiência e redações não ligadas à uma avaliação imediata de aproveitamento.
A respeito do sistema das provas de proficiência adotado pelas escolas teuto-brasileiras, cabe explicar que, ao término do primeiro grau, efetua-se a prova da ZDP – Zentrale Deutschprüfung (Prova Central de Alemão) e no decorrer do segundo, em momentos variáveis, realizam-se os exames de KMK I e KMK II (KMK – Kultusministerkonferenz: Conselho dos Ministros Estaduais de Cultura da Alemanha). Todos esses exames englobam provas escritas e orais. Na ZDP, o aluno tem 75 minutos para escrever por volta de 200 palavras, no KMK I, 120 minutos para escrever cerca de 300 palavras e no KMK II, 210 minutos para 500 palavras. Os temas das provas são pré-estabelecidos pelo Bundesverwaltungsamt, Zentralstelle für das Auslandsschulwesen (repartição pública do governo alemão, que cuida das escolas alemãs em todo o mundo).
Para colecionar os dados, foi estabelecido, primeiramente, contato com as direções e as coordenações dos Colégios Humboldt, Visconde de Porto Seguro e Benjamin Constant, a fim de obter autorização para utilizar as redações escritas por seus alunos. Contamos com a ajuda dos professores de alemão, que nos entregaram cópias do material. Uma pequena parte, referente às provas de proficiência, foi recolhida dos arquivos dos respectivos colégios.
3.3 Digitação e organização
Depois de coletados, os dados foram digitados, mantendo-se a ortografia e pontuação originais do informante, inclusive todos os erros cometidos. Cada redação digitada recebeu um código alfa-numérico, do qual pode-se extrair diversas informações. Vejamos um exemplo:
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O primeiro número do código identifica o aluno, sendo que o mesmo número, no corpus todo, se refere sempre ao mesmo aluno. O segundo número identifica o ano da produção. Quando o aluno produziu redações incluídas no corpus, em dois anos subseqüentes, indicam-se os dois anos de produção na forma 96-7. Nessa abreviatura, aparecerá em negrito o ano em que foi produzida a redação a que se refere o código. O terceiro número identifica a série escolar (8a, 9a, 10a e 11a ) e o tipo de população (F – alemão como língua estrangeira, M – turmas mistas, B – alemão como língua materna) a que o aprendiz pertence. O quarto número identifica o grupo, dentro de cada série, referente a uma determinada população. Em alguns grupos, aparecem até 4 temas diferentes, que correspondem muitas vezes a gêneros textuais diferentes. O final do código informa o número de palavras da redação.
3.4 Informantes e populações
Há três tipos de informantes que contribuíram com suas redações para o corpus. Esses foram agregados nas populações F, M e B.
Os informantes da população F não têm contato com a língua alemã em casa. Aprendem-na na escola como primeira ou segunda língua estrangeira. O seu contato inicial se deu, via de regra, entre os 6 e 9 anos de idade, na pré-escola ou no início do primeiro grau. Os informantes da população B são alemães que aprenderam a língua alemã como língua materna, mas que sofrem grande influência da língua portuguesa, por viverem no Brasil. A população M não apresenta característica homogênea quanto ao nível de conhecimento da língua alemã. Os informantes pertencentes a essa população têm, geralmente, conhecimento superior ao dos integrantes da população F.
A diferenciação dos informantes em três populações deve-se ao sistema adotado pelo Colégio Humboldt, de onde provêm cerca de 70% dos dados. O material proveniente dos Colégios Visconde de Porto Seguro e Benjamin Constant foi exclusivamente produzido por falantes nativos de português, de um nível análogo à população F. Foi, portanto, reunido à essa população.
O gráfico a seguir mostra como o material contido no corpus se divide entre as três populações:
Percebemos um determinado desequilíbrio quantitativo entre as populações, sendo que a população M constitui um pouco mais que um terço e a população F, um pouco menos.
No gráfico, a seguir, verificamos como os informantes da população F se distribuem nas quatro séries:
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Nessa população, percebe-se uma predominância quantitativa da 10a série. Também nas outras populações, existe esse tipo de desequilíbrio, que, por motivos técnicos, infelizmente, não pôde ser totalmente evitado.
Na população M, predominam as 10a e 11a séries, enquanto a 8a está subrepresentada:
Na população B, as 10a e 11a séries estão ainda mais superrepresentadas. A subrepresentação da 8a série é mais grave nessa população.
O gráfico a seguir mostra uma sinopse da presença das três populações nas quatro séries pesquisadas:
Verificamos que na 8a série, aproximadamente 45% dos dados provêm de informantes da população F, enquanto a população B contribui apenas com 18%. Na 9a série, a maior parte dos dados foi produzida por alunos da população M. As populações F e B têm peso igual, um pouco acima de 25%. Na 10a série, a população B predomina. Na 11a, M e B têm maior peso quantitativo que F.
3.5 As escolas
Entre as escolas que forneceram dados a esta pesquisa, encontram-se: os colégios Humboldt, Benjamin Constant e Visconde de Porto Seguro, localizados na cidade de São Paulo. Trata-se de colégios teuto-brasileiros, entre cujos alunos estão majoritariamente brasileiros e uma minoria de alemães. Todos os alunos têm aulas de alemão. As três escolas englobam pré-escola e 1o e 2o graus. Nos colégios Humboldt e Visconde de Porto Seguro é oferecido também o Abitur alemão. No geral, o ensino de alemão como língua estrangeira inicia-se já na pré-escola.
Os vários temas desenvolvidos e os diversos gêneros textuais presentes nas redações do corpus não foram escolhidos propositadamente para esta pesquisa. Os dados foram produzidos exclusivamente em correspondência ao cronograma definido pelas escolas. Além da progressão natural de aquisição das estruturas de uma língua, postulada por Krashen (1986), precisamos ter em vista a influência institucional da escola (que poderia ser considerada parte do input) em dois pontos principais, a saber, os materiais didáticos utilizados e as tarefas impostas pelo programa escolar.
3.6 Os livros didáticos
Não é, contudo, uma tarefa simples identificar os materiais didáticos utilizados pelos alunos que contribuíram com dados para o corpus, uma vez que não existe, entre as escolas e, tampouco em cada uma delas, uma política homogênea quanto ao uso de livros didáticos e outros materiais. A única informação segura é a de que, via de regra, usam-se os livros didáticos Komm bitte 1 a 4 e Wer? Wie? Was? 1 a 4. Komm bitte é uma obra destinada às primeiras quatro séries do 1o grau, sendo cada volume concebido para uma série. Wer? Wie? Was? visa um público um pouco mais maduro. Cada volume é utilizado em duas séries consecutivas. Wer? Wie? Was? 1 pode ser utilizado no lugar de Komm bitte 3 e 4 nas terceira e quarta séries, ao passo que Wer? Wie? Was? 2 é utilizado posteriormente a Komm bitte 4, na quinta e sexta séries. Os alunos da 7a e 8a séries trabalham com Wer? Wie? Was? 3.
A seguir, procuro identificar, nesses livros, a presença dos advérbios hier, da e dort. Em Komm bitte 1, hier, da e dort aparecem somente em função situacional. Também nos dois volumes seguintes, Komm bitte 2 e 3, encontramos hier, da e dort majoritariamente como dêiticos situacionais. Além do sentido espacial, da pode ser identificado como advérbio temporal. No quarto volume, há algumas ocorrências de compostos de da em função endofórica: dabei, damit, dazu, dafür, darüber, daneben e darauf (p.ex., Als ihr im Bett liegt und das Licht ausgemacht habt, kommen Stechmücken und stören euch. Ihr versucht sie zu erschlagen. Dabei passiert manches. [Quando vocês estão deitados na cama com a luz apagada, vêm mosquitos e incomodam vocês. Vocês tentam matá-los. Enquanto isso, acontecem várias coisas.]).
Os dois primeiros volumes de Wer? Wie? Was? são concebidos para iniciantes. No volume 1, hier, da e dort ocorrem apenas em função situacional (p.ex., Ist Opa hier? Nein, Opa ist nicht hier. [O vovô está aqui? Não, vovô não está aqui.]). No volume 2, os advérbios começam a ocorrer com função endofórica (p.ex., In der Nähe von Heidelberg liegt Leimen. Da wohnt doch der Boris. [Nas imediações de Heidelberg situa-se Leimen. Lá é que mora o Boris.]). Nesse volume há também uma única ocorrência de hier como dêitico textual:
(4) In unserer Schule gibt es eine schöne Pinnwand! Sie heißt: Das ist mein Traumzimmer! (...) Der Riehler Schüler-Kurier wollte mehr darüber wissen!
Hier sind die Fragen und Antworten: – Uta, hast du ein eigenes Zimmer?...
[Em nossa escola existe um lindo mural! Ele se intitula: Este é meu quarto dos sonhos! (...) O jornal Riehler Schüler-Kurier quer saber mais a respeito.
Aqui estão as perguntas e respostas: – Uta, você tem um quarto próprio?...]
Neste exemplo, hier faz referência ao texto que segue, no qual desenvolvem-se entrevistas com os quatro alunos citados. Neste sentido, hier é usado para indicar um trecho do texto como texto.
Nota-se também o aparecimento de compostos de da, como darum e danach (p.ex., Aber ich bin noch so müde. Darum bekommt sie [die Katze] das Futter erst später. [Mas eu estou ainda com tanto sono. Por isso, ela [a gata] recebe a ração só mais tarde.]).
No terceiro volume, hier, da e dort ocorrem, com freqüência, em função endofórica, principalmente através da utilização de compostos (dabei, dazwischen, daran, danach, davor). A freqüência desses advérbios em função situacional é bem mais baixa. Em função textual, há apenas uma ocorrência de hier:
(5) Till Eulenspiegel wurde ganz in der Nähe von Wolfsburg, im Dorf Kneitlingen (...) geboren. Man weiß nicht genau, wann das war. Man weiß aber, daß er 1350 in Mölln gestorben ist. Dort kann man noch immer seinen Grabstein sehen.
Hier sind zwei Geschichten aus seinem Buch. Unser Reporter Carlos hat sie für euch ausgesucht.
[Till Eulenspiegel nasceu nas imediações de Wolfsburg, na aldeia de Kneitlingen (...) Não se sabe exatamente quando foi isso. Sabe-se, porém, que ele faleceu em 1350 em Mölln. Lá pode-se ainda ver o seu túmulo.
Aqui estão duas histórias de seu livro. Nosso repórter Carlos as selecionou para vocês.]
Portanto, podemos afirmar que até a 8a série do 1o grau, todos os aprendizes que contribuíram com dados para o corpus já tiveram contato com os advérbios dêiticos hier, da e dort, inclusivealguns compostos, nas funções da dêixis situacional, endofórica e textual. Todavia, esses usos de hier, da e dort não são, em nenhum momento, tematizados sob forma de exercícios específicos. Somente os usos temporais e causais de da, não pesquisados no presente trabalho, são apresentados explicitamente.
4. Fundamentação teórica
Neste capítulo, apresentarei alguns conceitos da fundamentação teórica de meu trabalho. No item 4.1, discutirei noções básicas da teoria da dêixis, a partir das obras de Bühler (1934=1982) e Diewald (1991), enfocando, particularmente, a dêixis espacial. No item 4.2, serão abordados aspectos relevantes da lingüística textual, a saber, o conceito de coesão, como definido por Halliday & Hasan (1976), e o de gênero textual, conforme Biber (1986), entre outros. No item 4.3, tratarei da teoria da aquisição de línguas estrangeiras, seguindo basicamente Selinker (1972), a quem se deve a concepção da aquisição de uma segunda língua como um processo de construção e reconstrução de sistemas lingüísticos provisórios, denominados interlíngua (cf. também Selinker 1992: 150ss.), e Krashen (1982), que introduziu, entre outros, a noção da ordem natural. No item 4.4, resumirei alguns aspectos metodológicos em relação a pesquisas empíricas na lingüística.
4.1 Teoria da dêixis espacial
Dêixis é, comumente, definida como a dependência de um elemento lingüístico ao contexto, i.e., à situação de comunicação. Na maior parte dos trabalhos (cf., p.ex., Bühler 1934=1982, Diewald 1991, Klein 1978) a respeito do assunto, a dêixis é caracterizada como uma referência, uma ‘mostração’ lingüística aos elementos do contexto extra-lingüístico. Essa mostração se dá com base em um ponto de partida, a chamada origo. Bühler (1934=1982: 102) caracteriza a origo como o ponto de partida do sistema de coordenadas (em alemão, Koordinatensystem), que orienta o estabelecimento da relação entre os elementos do contexto e a enunciação.
Como coloca Diewald (1991: 39-43), o “mostrar” pressupõe a existência de um espaço. A autora aposta, como Lyons, em um “localismo” que parte do princípio de que o conceito de espaço é a categoria cognitiva fundamental, que funciona como matriz para outros domínios cognitivos.
The term localism is being used here to refer to the hypothesis that spatial expressions are more basic, grammatically and semantically, than various kinds of non-spatial expressions (...). Spatial expressions are linguistically more basic, according to the localists, in that they serve as structural templates, as it were, for other expressions; and the reason why this should be so, it is plausibly suggested by psychologists, is that spatial organization is of central importance in human cognition. (Lyons 1977: 718)[2]
Diewald defende a idéia de que o espaço serve de modelo básico para a construção de outros domínios cognitivos, como tempo, pessoa e modo. Também Becker & Carroll (1997) afirmam ser o espaço uma categoria cognitiva e perceptual fundamental.
A referência dêitica se liga a uma determinada dimensão (local, temporal, modal, etc.) e indica um grau de distância entre o objeto situado e a origo. O objeto situado deve ser um elemento pertencente ao contexto, mas não necessariamente ao contexto extra-lingüístico. Ele também pode ser um objeto imaginado ou um objeto lingüístico (textual) (cf. Diewald 1991: 143). Além das dimensões clássicas local, temporal e pessoal, Diewald cita duas outras que denomina objetal e modal. A dimensão objetal refere-se a entidades, existentes ou imaginadas, que não correspondem aos actantes da enunciação. A dimensão modal diz respeito à maneira como um determinado estado de coisas é codificado (cf. ib.: 144).
Para tornar a comunicação efetiva, é preciso haver, dentre outros aspectos, a contextualização espacial, temporal e modal do enunciado. Particularmente espaço e tempo desempenham um papel importante na língua, como também na vida cotidiana. Assim, todas as nossas ações e experiências estão ligadas aos domínios de espaço e tempo (cf. Vater 1991: 1).
Apesar disso, há autores, como Fiorin, que contestam o status fundamental do espaço. Segundo esse autor (1996: 258), o espaço é expresso através de morfemas livres e pode, pois, não ser codificado. Tempo e pessoa, ao contrário, são expressos nos morfemas sufixais obrigatórios do verbo, não podendo ser suprimidos. Becker & Carroll (1997) entendem que a informação espacial pode ser inferida ou recebida indiretamente com base em determinados princípios do discurso. Parte dessas informações espaciais deriva da estrutura temporal dos eventos.
Para os fins do presente trabalho, considero, entretanto, que em toda e qualquer enunciação há necessariamente uma contextualização espacial e temporal. A possibilidade de não codificar o espaço em determinados contextos, é perfeitamente reconciliável com seu status fundamental, porque ela só existe quando a informação espacial é evidente na situação comunicativa.
No seu livro The acquisition of spatial relations in a second language,Becker & Carroll(1997) comparam as expressões espaciais do alemão e de outras línguas (inglês, alemão e francês) como línguas estrangeiras. As autoras fazem um estudo longitudinal do processo em que aprendizes adultos de alemão adquirem o modo particular dessa língua de expressar relações espaciais. Como recursos para codificar o espaço em alemão, Becker & Carroll (ib.: 80s.) mencionam preposições (in [em], unter [embaixo de], auf [sobre]), advérbios (hier [aqui], da [aí], dort [lá]), nomes (Seite [lado], Boden [fundo], Ort [lugar]), verbos (gehen [ir], kommen [vir]) e a categoria gramatical de caso (in die Stadt [à cidade], in der Stadt [na cidade]). Em todas essas categorias, os dêiticos exercem um papel decisivo. As autoras apresentam uma tabela panorâmica do sistema de localização no alemão, distinguindo entre advérbios, pró-advérbios e preposições, entre outros. Afirmam que os pró-advérbios podem ser usados na dêixis real (com um gesto de apontar) ou como anafóricos:
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Além dos elementos mencionados na tabela, os advérbios hier, da e dort exercem um papel importante na referência ao espaço.
Em qualquer dimensão, as expressões dêiticas apresentam níveis de distanciamento em relação à origo. Assim, identificamos dêiticos que indicam proximidade ou afastamento do ponto zero da enunciação. Aos que indicam proximidade, pertencem, entre outros, eu, aqui e agora, no português, e ich, hier e jetzt, no alemão; aos que indicam afastamento pertencem você; lá e outrora, no português, e du, dort e damals, no alemão (cf. Diewald 1991: 33s.).
Os elementos dêiticos podem aparecer em quatro modi de mostração, que Diewald distingue, seguindo Bühler (1934=1982): a dêixis real ou situacional (em alemão, Realdeixis ou Situationsdeixis), a dêixis - fantasma (em alemão, Deixis am Phantasma; cf. Sitta 1991), a endófora (em alemão, Textphorik) e a dêixis textual (em alemão, Textdeixis).
No modus da dêixis real, o campo usado para mostrar/apontar é a situação de comunicação canônica, em outras palavras, o contexto extra-lingüístico da enunciação:
(6) [...] Sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das Ordenações do Reino e dos cabelos grisalhos? É porque vamos por esta Glória adiante, costeando aqui a Secretaria de Estrangeiros... Lá está o outeiro célebre... Adiante há uma casa... (Machado de Assis. A desejada das gentes)
Nesse modus, a dêixis pode ser comparada ao gesto de apontar (cf. Diewald 1991: 111). A dêixis real é o modus de mostração menos complexo, do qual todos os outros derivam. Também é o primeiro modus a ser adquirido pela criança.
A dêixis - fantasmadiferencia-se da dêixis real pelo contexto usado como campo de mostração: um contexto imaginado. Na dêixis real, há referência a entidades no campo de percepção dos actantes da enunciação, podendo essa referência ser acompanhada por gestos de apontar. Na dêixis-fantasma faz-se referência a um objeto que não se encontra no campo de percepção do enunciador nem do enunciatário, projetando-se um contexto imaginário. Por isso, a dêixis-fantasma faz parte do campo da fantasia criativa (cf. Bühler 1934=1982: 123).
Consideremos o seguinte exemplo:
(7) Es war morgens gegen drei Uhr, und der Tag begann zu dämmern; er schlich nach seiner Werkstatt. Aber hier hatte er noch einen schweren Kampf zu bestehen. Er hatte für einen durchreisenden König von Polen ein Kleid zu verändern, und da es morgen fertig sein sollte und der heutige Tag im Kriegsgetümmel verloren gegangen war, so machte er sich selbst daran, es aufzutrennen. (Brentano. Das Märchen vom Schneider Siebentot auf einen Schlag)
[Era manhã, por volta das três horas, e o dia começara a alvorecer; ele esgueirou-se até sua oficina. Mas aqui ainda havia uma difícil batalha a ser vencida. Precisava ainda modificar uma roupa para um rei da Polônia, que estava de passagem por ali, e como deveria ficar pronta para amanhã e o dia de hoje fora perdido em tumultos de guerra, então ele próprio se pôs a desmanchá-la.]
A dêixis-fantasma, por diferenciar-se da situacional apenas em virtude do tipo de contexto usado para a mostração, constitui um modus muito semelhante a ela. No presente trabalho, não considerarei essa diferenciação, uma vez que ela não se mostra nitidamente nos dados do corpus.
No modus da endófora, aponta-se a um elemento do contexto lingüístico, o que caracteriza uma mostração puramente sintática. A anáfora e a catáfora são as duas possibilidades de uso desse modus de mostração. A anáfora caracteriza-se pela referência a um elemento anterior no texto, e a catáfora ocorre quando da referência a um elemento posterior.
(8) Quintília sorriu da metáfora, o que me doeu, e sem razão; ela vendo o efeito, fez-se séria outra vez e tratou de persuadir-me de que era melhor não casar. (Machado de Assis, A desejada das gentes) (anáfora)
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(9) Só quero uma coisa: passar na prova! (catáfora)
A dêixistextual assemelha-se à endófora por fazer referência a um objeto do contexto lingüístico. Nesse modus, trata-se de apontar ao texto como texto, o que não ocorre na endófora. Portanto, o próprio texto torna-se o campo dêitico:
(10) Cuidei naturalmente que falava ainda de Capitu, e quis perguntar-lho, mas a vontade morreu ao nascer, como outras tantas gerações delas. Limitei-me a inquirir do agregado quando é que iria a casa ver minha mãe:
– Estou com saudades de mamãe. Posso ir já esta semana?
Esse trecho de Dom Casmurro mostra dois eu: o do narrador e o do interlocutor. (Fiorin 1996: 74)
Segundo Raible (1972: 217), a maior parte dos trabalhos a respeito da dêixis ocupa-se da dêixis real. O autor lembra que a dêixis textual também deve ser pesquisada.
Entendo ser o modus da dêixis real o mais fundamental, do qual derivam os outros modi (cf. Diewald 1991: 110). Por isso, considero a endófora e a dêixis-textual mais complexas que a dêixis real. Podemos considerar que há, em ambas, uma mostração intratextual, sendo que a dêixis textual acrescenta um aspecto metalingüístico à mostração. Podemos, pois, perceber que os diferentes modi dêiticos se organizam em uma escala de complexidade:
(11) dêixis real > endófora > dêixis textual
4.2 Aspectos relevantes da lingüística textual
O estudo da dêixis exige, além de conceitos como o de dependência ao contexto, demonstratividade e referência , a consideração de outras questões teóricas que tocam à textualidade.
De Beaugrande & Dressler (cf. 1981: 3ss.) definem texto como uma ocorrência comunicativa, que preenche 7 critérios de textualidade: coesão, situacionalidade, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade e intertextualidade. Dentre esses critérios, interessam-nos especialmente os dois primeiros. Os autores (ib.: 50) definem coesão como uma continuidade das ocorrências, ou seja, como a relação pela qual um elemento do discurso se refere a outro. Assim, a coesão corresponde à relação de correferência entre as expressões lingüísticas de um texto.
Halliday & Hasan (1976) distinguem entre cinco tipos de meios coesivos: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical. Fávero (1993: 17) propõe uma reclassificação, atribuindo à coesão textual três subcategorias: a coesão referencial (que engloba referência, substituição e elipse), a coesão seqüencial (que correponde àquilo que Halliday & Hasan denominam conjunção) e a coesão recorrencial (lexical). Os elementos dêiticos em geral contribuem para a coesão referencial, já que só podem ser interpretados semanticamente com base em outros itens do discurso. Portanto, interessa-nos antes a coesão referencial à coesão seqüencial e recorrencial.
A referência pode ser feita a elementos que pertencem à situação de comunicação. Neste caso, é denominada situacional ou exofórica. Quando há referência a elementos dentro do próprio texto, diz-se que há referência textual ou endofórica.
Também os advérbios espaciais hier, da e dort, no modus endofórico, são recursos coesivos, como no seguinte exemplo (cf. Blühdorn 1999: 96):
(12) Em junho de 1812 Napoleão chegou às margens do rio Njemen. Aqui construiu um depósito de mantimentos antes de invadir o território russo.
Nesse exemplo, entende-se que o falante não se encontra no lugar em que se dá o acontecimento. Portanto, o intérprete só pode entender o advérbio aqui como endofórico.
Também existe a possibilidade de um mesmo dêitico exercer mais de uma função ao mesmo tempo. Assim, por exemplo, na sentença:
[...]
[1] No modelo de Bühler, há um terceiro tipo, denominado dêixis-fantasma (Deixis am Phantasma). Não me ocuparei desse tipo de uso, pois ele não ocorre no corpus utilizado.
[2] O termo localismo está sendo usado aqui para fazer referência à hipótese de que expressões espaciais são mais básicas, gramatical e semanticamente, que vários tipos de expressões não-espaciais (...). Expressões espaciais são linguisticamente mais básicas, de acordo com os localistas, na medida em que servem como modelos estruturais, por assim dizer, para outras expressões; e o motivo pelo qual isto é assim, como psicólogos sugerem plausivelmente, é que a organização espacial é de importância central na cognição humana.
- Citar trabajo
- Alessandra Castilho da Costa (Autor), 1999, O uso de advérbios dêiticos espaciais na produção escrita de aprendizes de alemão como língua estrangeira em escolas teuto-brasileiras de São Paulo, Múnich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/166093
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