Na Ética Nicomaqueia I 6, 1096a 23-29, encontra-se um argumento que é motivo de debate entre os comentadores. Tal argumento deveria provar que o predicado “bom” é multívoco e, contudo, nenhuma interpretação até hoje conseguiu chegar a essa conclusão de um modo claro e contundente. Ao estudá-lo, vários outros assuntos vêm à tona: a homonímia do ser, geneticismo aristotélico, a possibilidade de uma metafísica, a definição de bom, a analogia, entre outros. Nosso trabalho se dedica a explicar a razão da invalidade do argumento e a incursionar nos demais temas em busca de uma correção satisfatória. A proposta geral é que não se peça que o argumento prove que bom tenha várias definições, mas apenas que haja várias realidades, referências, possíveis por meio desse predicado.
Sumário
NOTAS SOBRE O TEXTO
PRÓLOGO
QUESTÃO DA MULTIVOCIDADE DO BOM
O QUADRO
O ARGUMENTO
A PROPOSTA
O CONTEXTO
O PROBLEMA
INTERPRETAÇÃO MERAMENTE PREDICATIVA DA EXEMPLIFICAÇÃO E SUA CRÍTICA
INTERPRETAÇÃO IDENTIFICADORA DA EXEMPLIFICAÇÃO E SUA CRÍTICA
INTERPRETAÇÃO CRITERIOLÓGICA E SUA CRÍTICA
INTERPRETAÇÃO ATRIBUTIVA DA UNIVERSALIDADE ÚNICA
CONVENCENDO UM PLATÔNICO
HOMONÍMIA E MULTIVOCIDADE
NOTAS SOBRE A MULTIVOCIDADE DO SER
A PROVA DO GENETICISMO ARISTOTÉLICO
CONEXÃO FOCAL ENTRE A HOMONÍMIA TOTAL E A SINONÍMIA
CARACTERIZAÇÃO DA CONEXÃO FOCAL
O SER ENTRE A SINONÍMIA E A HOMONÍMIA TOTAL
O SER E A CONEXÃO FOCAL
ISOPREDICABILIDADE
UMA DIFICULDADE
O QUE SABEMOS SOBRE O BOM UNIVERSAL
UMA HISTÓRIA DA CIÊNCIA DO BOM
“MAS ENTÃO, COMO É DITO?”
BOM E ANALOGIA
BOM E CAUSA FINAL
A POSSIBILIDADE DE UMA CIÊNCIA DO BOM
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Deus, único senhor, razão de tudo, não me permita que me desvie pelo que não é teu, recebe meus agradecimentos.
Agradeço eternamente aos meus pais, Antonio e Josina, pelo amor exemplar e pela educação impagável. Aos meus irmãos André e Lucas e a todos meus familiares, por formarem aquilo que há de bom em mim (os erros são todos culpa minha). Quero agradecer em especial a Geane e Carlinhos, primos que não conhecia antes de vir para São Paulo; o acolhimento deles me ajudou a não me sentir tão distante de minha origem.
Meus professores de todas as épocas, agradeço-os do fundo de minha alma; sem eles não seria sequer feliz.
Meus amigos de Recife e São Paulo me deram desde incentivo a desafios; são todos igualmente presentes na minha vida e na minha formação. Agradeço a todos. Em particular, a Artur Reig, Bruno Brigatto e Álvaro Galdos, por serem como velhos amigos apesar de nos conhecermos por tão pouco tempo. Dedico meu trabalho à minha grande amiga Angélica Alves: sua dedicação a nossa amizade me ensinava a ser menos chato e a dar valor ao que realmente importa; falha minha se não aprendi…
Agradeço aos funcionários da USP, aos da biblioteca da FFLCH e às secretárias da Filosofia. Em particular, às secretárias Marie, pelo cuidado constante com todos nós, e Maria Helena, pelo cuidado comigo principalmente no início.
Agradeço a Marco Zingano pelo acolhimento, pelo apoio e pelo exemplo. A Alfoso Correa-Motta, Luiz Henrique Lopes dos Santos e a Vivianne de Castilho pelas certeiras e edificantes críticas, e pela paciência.
Agradecimentos à CAPES, que me proveio no início, e à FAPESP, pelo restante da bolsa.
NOTAS SOBRE O TEXTO
Obras de Aristóteles abreviadas
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Para evitar confusão entre uma obra de Aristóteles e a ciência homônima, fizemos a seguinte distinção gráfica: quando falamos da obra de Aristóteles, fizêmo-lo com letra inicial maiúscula e em itálico (por exemplo, Ética Nicomaqueia, as Éticas, Metafísica); quando tratamos da ciência, do corpo científico independente do texto aristotélico, usamos a letra inicial minúscula sem destaques (p.ex.: a metafísica, a ética).
Todas as traduções do grego são de autoria própria, sempre consultando outras traduções, principalmente inglesas (ver as obras de Arisóteles na bibliografia). O estabelecimento de texto de Aristóteles que traduzimos foi principalmente o de Bekker, mas num ou noutro obra observamos também a edição da OCT. De fato, algumas passagens possuem variações significativas entre manuscritos mas fugimos na medida do possível de questões textuais, principalmente porque não as achamos necessárias para cerne de nossas argumentações. Escolhemos, então, a variação que mais serviu ou para deixar o texto mais claro ou para corroborar nossa interpretação. Devemos dizer, inclusive, que às vezes tivemos que ou quebrar com certas regras sintáticas dadas pelo original ou escolher um único sentido de palavras ambíguas em grego ou mesmo dar-lhe um sentido não dicionarizado. Desde já pedimos desculpas tanto para aqueles que virem muita diferença entre adotar uma variação de manuscrito ou outra, quanto para os que acharem que escolhemos tendenciosamente o significado de um termo essenciais. Nas nossas traduções, os colchetes são usados para comprir uma de duas funções: ou de marcar a palavra ou expressão grega que os termos imediatamente anteriores aos colchetes estão traduzindo, ou de acrescentar palavras que não estão no texto no intuito de torná-la mais compreensível. Já as aspas foram usadas ou para significar o termo e não a coisa referida pelo termo (p.ex.: “casa” tem quatro letras e a casa é de tijolos) ou para citar uma frase ou argumento alheio relatado Aristóteles (p.ex.: os platônicos falam muitos absurdos do tipo “só há uma amizade”). Para transliterar, seguimos a correspondência entre o alfabeto grego e o romano comumente utilizada (por exemplo: g pelo gamma, k pelo kappa etc.), a não ser para o eta e o ômega, que foram representados, respectivamente, por “ee” e “oo”.
Para algumas citações de comentadores, ao invés da data da edição do texto, como é comum hoje (p.ex.: FINE, 1993, p.8), preferimos anexar o título da obra (p.ex.: FINE, On Ideas, p. 8). Mas apenas usaremos esse sistema após termos dado a referência completa da obra. E quando o título da obra for longo e já tiver sido muito citado, daremos apenas as primeiras palavras seguidas por três pontos (p.ex: OWEN, Logic and Metaphysics in some earlier works, p. 10 por OWEN, Logic and..., p.10).
PRÓLOGO
O aristotelismo hoje é um rico quadro em que encontramos vários tipos de literatura: longos debates, comentários cuidadosos, análises lógicas ou encontros com outras correntes apenas dão uma ideia da riqueza teórica que o aristotelismo alcançou no século XX. Variada produção não é exclusividade de uma só corrente filosófica, mas sem dúvida a sua é a mais significativa, porque de todas as filosofias, a de Aristóteles é e foi, de longe, a mais estudada, a que mais produziu comentário, e por isso seria de se esperar que não houvesse nada de novo a dizer sobre ela; como não há tal silêncio, muito pelo contrário, cada vez se escreve mais sobre Aristóteles e nas mais diversas abordagens, isso prova a fonte inesgotável de reflexões que é o seu pensamento.
Essa profusão erigiu todo um novo edifício sobre filosofia aristotélica. E o edifício possui vários apartamentos, cada qual residindo um bom número de gente: hoje se pode dividir os temas aristotélicos em vários pequenos debates de áreas específicas, cada uma com um bom número de comentadores. A “ciência aristotélica”, se podemos falar assim, isto é, o estudo da filosofia do Estagirita possui diversos ramos, diversos braços, em que a leitura de certos textos é obrigatória, mas relativamente independentes entre si: um comentário sobre Ética Eudêmia nem sempre ajuda quem quiser se informa sobre o De Caelo. Todo esse prédio teórico, o mais alto da história, seria assustador se não fosse por uma característica: não há uma ortodoxia que decida o que é certo ou errado de se falar sobre Aristóteles. Sem dúvida que muitas interpretações tomam Aristóteles de um modo pobre e mesmo as que o interpretam com vigor negligenciam aspectos importantes. Mas as discussões recentes em torno dele foram feitas com bastante sutileza e bom senso, de modo que “um juiz intransigente”, por assim dizer, é desnecessário. Por isso qualquer um pode participar do aristotelismo e trazer novas teses, desde que se informe do que foi feito antes, mantenha o bom senso para não sair do tema e tenha honestidade de aceitar as limitações de suas teorias. É nesse quadro que essa dissertação se insere.
É uma humilde monografia, não poderia apresentar grandes qualidades. Tudo o que ela faz é tomar um desses debates do aristotelismo, um simples problema, e tentar, não responder definitivamente, mas levar a discussão para frente, avaliar as posições do comentário que a trouxe à tona e considerar as consequências. Nesse processo, passaremos por outros apartamentos para que essa visita não seja curta demais. Pela liberdade, incentivo mesmo, para lançar teses, nós defendemos as nossas; mais do que responder, elas servem (ou deveriam servir) para deixar a dificuldade patente. Embora nós acreditemos que de fato haja uma resposta, ou pelo menos uma satisfatória, nós sabemos que ela não está aqui ou não completamente; por isso nossa pretensão não é terminar a questão, mas mostrar a riqueza de somente um ramo de discussão peripatética. Daí esperamos que o leitor perceba que filosofia aristotélica hoje em dia não é mais uma coisa cansada e ultrapassada, mas sim uma fonte realmente inspiradora de pensamento rigoroso e renovado.
QUESTÃO DA MULTIVOCIDADE DO BOM
O quadro
Desde 1951, graças à fina percepção de Joachim, o argumento que provaria a multivocidade do bom por meio das categorias passou a preocupar grandes mentes do aristotelismo. Nomes como Hardie, Kosman, Ackrill e MacDonald deixaram suas ideias na tentativa de responder uma simples questão: como se dá o argumento? Como entender suas premissas para que chegue à conclusão? Parece uma coisa fácil, que bastaria umas análises lógicas para ser resolvida, mas pelo visto não é, há algo de verdadeiramente problemático aí. Tanto há que, apesar de cada um desses pensadores ter acolhido os pontos de vista dos anteriores, feito críticas e apresentado sua própria teoria solucionadora, ainda assim o problema persiste e até hoje está em aberto. Na verdade, tamanha dificuldade para fechá-lo está dando a impressão de que não existe um modo correto de entender o argumento; Shields e Santas1, últimas palavras no assunto, decretaram a impossibilidade de encontrar-lhe uma forma lógica aceitável: pese o que pesar, Aristóteles teria cometido uma falácia.
O argumento
O problema que à primeira vista se afigura é o de falácia. É preciso retirar essa pecha do argumento e torná-lo aceitável novamente ou, se for o caso, mostrar onde está raiz do problema e explicar por que é impossível corrigi-lo.
Existem três lugares ao longo do Corpus aristotélico nos quais se tenta provar que, a partir das categorias, ao bom falta-lhe unicidade; todos eles ocorrem em contextos polêmicos, em particular contra os platônicos. Enquanto elenca as diversas concepções, seja da felicidade, seja da finalidade da política, Aristóteles esbarra na teoria platônica, que estabelecia a existência de uma Ideia de Bem pela qual todo mundo deveria se pautar, e, então, ele abre um parêntese e se dedica a criticar tal teoria; dentre as críticas, há uma que envolve as categorias.
Como a Grande Ética ou Magna Moralia (I 1, 1183a 8-24) ainda é considerada uma obra inautêntica, ficará de lado. Fora esta, uma formulação se encontra na Ética Eudêmia (EE), livro I, capítulo 8:
Pois, “bom” é dito de muitos modos, a saber, de modos idênticos ao “ser”. Pois o ser, como já foi distinguido em outros tratados, significa o quê, mas também o qual, o quanto, o quando, a relação e, inclusive, a passividade [ kineisthai ] e a atividade [ kinein ]. Ora, o bom está em cada uma dessas variações [ ptooseis ]: na substância, o intelecto e Deus; na qualidade, a justiça; na quantidade, a mediania; no tempo, a oportunidade; o ensino, na atividade e a apredizagem, na passividade [ to didaskon kai didaskomenon peri kineesis ]. Portanto, do mesmo modo que ser não é único em cada caso citado, igualmente também não o é o bom e também não existe uma ciência única nem do ser nem do bom. (1217a 25-35)
Ao contrário da Magna Moralia, a Ética Eudêmia perdeu o desonroso título de inautêntico após o monumental estudo de Jaeger2. Apreciações recentes a põem numa fase intermediária de Aristóteles, numa época em que estava desiludido de qualquer possibilidade de uma ciência do ser; apenas mais tarde, por alguma razão ainda muito debatida, ele teria retomado a fé numa tal ciência e escrito a Metafísica. Isso, porém, é assunto para o próximo capítulo e por enquanto só ajuda a entender as diferenças que guarda com a outra formulação, a da Ética Nicomaqueia (EN), livro I, capítulo 6 (Bekker e os que o seguem põem no capítulo 4):
Ademais, uma vez que o bom se diz de modos idênticos ao ser, pois bom é dito no quê, por exemplo, Deus e intelecto; no qual, as virtudes; no quanto, a mediania; no quando, o oportuno; no onde, o lar e o mesmo nas demais. Por isso, não é um comum universal e único: pois não seria dito em todas as categorias, mas em apenas uma.3 (1096a 23-29)
Essa passagem será o principal objeto de estudo aqui, tanto por ter sido justamente ela o motivo do debate, quanto por admitirem a maioria dos comentadores que ela pertence a uma fase mais madura do filósofo. Como se vê, o texto apresenta dificuldades nos próprios termos: muitos deles são de conceitos difíceis e amplamente discutidos. Além disso, possibilidades interpretativas de suas frases são muitas e fazer escolhas mantendo a coesão é um grande desafio. Contudo, apesar desses percalços, pelo menos a estrutura argumentativa é clara. Abaixo firmaremos a forma pura do argumento, tanto de suas proposições quanto de seus raciocínios. Para isso, tiraremos todos os termos individualizantes e os deixaremos como incógnitas: esse procedimento é necessário para podermos identificar o núcleo do argumento, o raciocínio exato que está sendo usado. Após desmembrar o texto, temos as seguintes proposições simples.
i) X é dito de igual modo que Y (isopredicabilidade)
ii) X é dito na categoria C (categorialidade)
iii) A (exemplificação)
iv) X é universal (universalidade)
v) X é único (unidade)
No texto, iv e v estão conectados, por isso chamaremos de “universalidade única”; por também estar negada como um todo (“bom é um comum não universal e único), chamaremos sua negativa de “negação da universalidade única”. No final do texto a quantidade de categorialidades se torna decisiva: o bom, como não é dito em apenas uma categoria, mas em todas, não pode ser um universal único. Batizemos de “exclusividade categorial” o ser dito em apenas uma categoria e de “transcategorialidade”, em todas. Por fim, estamos considerando que Deus, intelecto, virtudes, mediania etc. são exemplos e por isso a proposição que os envolve é chamada de exemplificação (iii); note-se que, tal qual no texto, ela é muito lacunar: não é claro com o que os exemplos estão relacionados.
A seguir estão os passos argumentativos principais. Realmente essa ordem não apresenta dificuldades, ainda que suas proposições sejam passíveis de várias interpretações.
1) Se exemplificação, então categorialidade;
1.1) Se exemplificação em todas as categorias, então transcategorialidade;
2) Se transcategorialidade, ontoisopredicabilidade (isto é, isopredicabilidade sendo Y=ser);
3) Se universalidade única, então exclusividade categorial;
3.1) Como transcategorialidade, negação da exclusividade categorial, logo negação da universalidade única.
Temos aí a formulação pura do argumento por trás de EN 1096a 23-29. Qualquer outro item que puder substituir X será passível da mesma conclusão. Vamos batizá-lo de Argumento da Falta de Exclusividade Categorial ou, quando não estivermos com senso estético, de Argumento Ontoisopredicativo 4, se bem que o ontoisopredicativo é um tipo de argumento da falta de exclusividade categorial, pois pode haver itens que são ditos em mais de uma categoria, mas não em todas.
Ora, o mais importante de toda essa análise é deixar bem claro que o passo decisivo se encontra no 3. É aí que se dá o arremate, antes do qual não havia como concluir a multivocidade do bom. Ainda que todas as demais partes do raciocínio fossem duvidosas, ainda que as outras proposições fossem completamente herméticas, se nos for possível lançar uma boa interpretação sobre a universalidade única e a exclusividade categorial, então será dado um passo em direção à resposta.
Curiosamente, no entanto, os comentadores se concentraram na exemplificação (iii): perplexos com esse lacunar, enigmático até, enunciado, eles se lançaram a completá-lo e esclarecê-lo. E como a exemplificação está intimamente ligada à categorialidade (ver 1), eles acabavam resvalando nesse também. Mas, acabamos de ver que o passo principal não tem a ver com um nem tanto com outro: com efeito, 3 não fala dos exemplos e a categorialidade exatamente não é importante mas sim a quantidade de categorialidades: se o predicado estiver em mais de uma (ou em nenhuma!) categoria, então não será universal e único. Já a universalidade única, exceto por MacDonald, nenhum dos comentadores deu atenção a ela. Sua interpretação se manteve intocada ao longo dos séculos, ou, no máximo, levemente diferente: ser “um comum universal e único” significa ser sinônimo e não o ser, homônimo5. Veremos adiante o que é sinonímia e homonímia, mas podemos antecipar que elas dizem respeito a definições (logoi): quando duas realidades referidas pela mesma palavra possuem definições iguais então são sinônimas; quando as definições são diferentes entre si, homônimas. Por exemplo, esta folha e a seguinte são sinônimas quando as chamamos de “papel”; afinal, a definição da realidade a que “papel” faz referência é idêntica tanto para essa folha quanto para a próxima; porém, uma fruta e uma parte da camisa são homônimas quando chamadas de “manga”: as definições dos objetos aos quais estamos aplicando “manga” são diferentes. Desse modo, sempre se acreditou que a conclusão do argumento exigia a prova de que a bondade tem várias definições.
É preciso ter muito cuidado para não apressar as coisas: o argumento não necessariamente quer dizer que bom terá uma definição para cada categoria, como se bom fosse substância num caso, qualidade no outro e assim por diante. Pensando assim, bom estaria nas dez categorias; isto é, bom seria elencado entre as substâncias num caso, as qualidade num outro e assim por diante. Observando com cautela, o texto só conclui que bom não é universal, mas não diz que bom consiste em uma substância, em uma qualidade etc. Com efeito, bom poderia estar só numa categoria; digamos, por exemplo, que bondade seja uma qualidade; ao dizermos “João é bom”, estamos dizendo uma qualidade de João, em “5 quilos é bom” estamos dizendo uma qualidade de 5 quilos etc; contudo, ainda que bom fosse uma qualidade, ainda assim, nada garante que ele seja universal e único, já que qualidade se divide em muitos tipos e uma bondade de João poderia ser de um tipo diferente da bondade de 5 quilos. Por isso, Aristóteles não está dizendo necessariamente que bom se encontra em todas as categorias, pois ele pode provar sua tese da multivocidade mesmo que bom se encontrasse em algumas categorias, em uma ou em nenhuma; tudo depende de como entenderemos a categorialidade nesse específico contexto: pois o “X é dito na categoria C” por si só não é necessariamente igual a “X está na categoria C”, “X é elencando entre os itens da Categoria C”.
A proposta
Em nosso capítulo serão feitas duas coisas: primeiro, rastrear a fonte do problema e, segundo, sugerir uma mudança de interpretação. Veremos que, ao invés de numa lacunar premissa, o problema, aquilo que impedia que qualquer interpretação do argumento fosse bem sucedida, está na conclusão, na negação da universalidade única. Em primeiro lugar, ela é problemática porque precisa ser efetiva contra um platônico. Justa exigência, aliás, já que todas as ocorrências do argumento são em contextos polêmicos contra Platão e subtende-se que toda contra-argumentação deve ser aceitável pelo adversário desde suas premissas. Mas então, o que é que o próprio predicado bom tem que o impede de ser uma
Ideia? Ou melhor, que característica “indesejada” precisa ter a multivocidade para negar ao bom o status de Ideia? Com certeza, tem de ser uma característca que impeça o bom de ser uma Ideia. Em segundo lugar e justamente por isso, a conclusão se tornou problemática porque, querendo ser efetiva contra um platônico, interpretá-la lançando mão da homonímia seria a melhor crítica. Nada repugna mais um platônico do que a multiplicidade, mais ainda uma multiplicidade de definições. No entanto, tentando não ser fraca a conclusão acabou ficando forte demais: alcançar a homonímia é mais difícil do que parece, mesmo usando as categorias. Mas, é mesmo preciso que se trate de várias definições para conseguir a crítica à Ideia de Bom? Não há outro modo de interpretar a negação da universalidade única? Defenderemos que, ao invés de uma variedade de definições, a multivocidade consiste numa variedade de naturezas referidas pelo bom; cada tipo de coisa possui uma natureza, uma realidade, própria que a torna boa. O argumento, então, busca apenas provar que bom se refere a uma variedade de realidades e isso é provável por uma característica predicativa do bom: seus campos de aplicação, seus sujeitos, são itens de todas as categorias.
O contexto
Todas as três aparições do argumento são em contextos polêmicos nos quais o principal alvo é Platão e/ou os platônicos. Nas Éticas Eudêmia e Nicomaqueia o autor começa a busca pela definição do fim último da vida humana, a felicidade, analisando as concepções mais aceitas pelo vulgo e pelos sábios. Após críticas às opiniões vulgares, ele passa aos sábios, pois alguém pode propor que “além desses vários bens existe um outro que é existente por si mesmo e causa dos demais” (1095a26-8); no entanto, embora pudesse ter em conta outros grandes filósofos (p. ex.: a Empédocles e Anaxágoras são atribuídas teses cosmológicas do bem em Metafísica XII 10) o autor se resume a Platão. Questiona-se, aliás, se o alvo é mesmo Platão ou se o platonismo em geral, pois algumas teses não são muito afins às que aparecem nos Diálogos; a própria Bondade, na República (357b-c), por exemplo, não é exatamente uma Ideia, mas algo superior às ideias. Para não acusar Aristóteles de falta de entendimento ou desonestidade intelectual muitos preferem que o alvo seja o platonismo em geral, as concepções correntes na Academia, e não as presentes nos Diálogos6. Mas, mesmo que haja desarmonia com as doutrinas do próprio Platão, o Estagirita pode ter suas razões para pensar assim, razões mais justas do que falta de compreensão: ele pode considerar, por exemplo, que defender uma Ideia do Bom é uma consequência necessária do pensamento de Platão. Seja como for, assume-se uma Ideia de Bom e é preciso estudar se ela tem alguma serventia para a felicidade humana. Várias são as críticas, divididas em dois grandes grupos: num primeiro momento, o filósofo mostra que não deveria haver tal Ideia, pois o predicado geral de bom não a propicia; em seguida, ele mostra que, mesmo que houvesse, ela não teria nenhuma utilidade para a ação humana. No primeiro grupo, a conclusão é sempre uma característica contraditória com a própria Ideia. Depois de todas essas críticas e de algumas considerações, o autor retorna para aquilo a que havia se proposto no início do tratado, ao conceito de felicidade, só que desta vez com uma atitude positiva.
Entre o capítulo 6 do livro I da Ética Nicomaqueia e o capítulo 8 do livro I da Eudêmia, ambos dedicados à crítica de Platão, há sérias diferenças. Por acaso, o exato argumento da exclusividade categorial seria idêntico, se não fosse por um detalhe: na Eudêmia são negadas as existências de uma ciência do ser e de uma do bom em franco contraste com a Metafísica (tratado este da ciência do ser). Mas isso será motivo de discussão no nosso próximo capítulo. Há também outras contra-argumentações que poderia ajudar-nos a entender o argumento da exclusividade categorial, em particular, na Nicomaqueia, o das linhas 1096a17-23 e o das a29-34, mas para evitar termos de levar em consideração outros conceitos igualmente difíceis (como o da anterioridade ou o de ciência), nós os deixamos de lado.
A questão de o quão fiel ao pensamento platônico é a passagem não deve nos preocupar: o importante é que o próprio Aristóteles de fato creia que sua exposição é aceitável por um platônico honesto. Aristóteles, com certeza, derivou muito de sua terminologia da sua época acadêmica e não é de se espantar que ele a sofistique quando se sentir convencido disso7. Além do mais, a análise rigorosa dos argumentos e a definição exata são heranças do próprio Sócrates e se Platão disser algo passível de correção com novos termos, termos mais rigorosos, o Estagirita não se furtará de fazê-lo. Mesmo assim, pelo menos a semente de algumas teses que aparecem no texto pode ser apontado em Platão: o Um de Muitos (p.ex.: República 596a6-7, Parmênides 132a1-4), a íntima relação entre Ser e Bom (p.ex.: República 509b) e as Categorias (p.ex.: Filebo 14e208 ). Para evitar mal entendidos faremos a seguinte distinção: uma coisa é a concepção platônica de bom - nisso em nenhum momento nos aprofundaremos nessa monografia -, outra é a concepção que Aristóteles faz de Platão sobre esse assunto e, para o Estagirita, sua terminologia e argumentação são boas o bastante para serem aceitas pelos acadêmicos9.
É bem sabido que a crítica a Platão é um dos expedientes mais comuns ao longo do desenvolvimento intelectual de Aristóteles. Em quase todas as suas obras é possível encontrar, quando pouco, discussões com seu mestre, mas normalmente críticas severas. Dentre outras teses platônicas, a das Ideias é a que de longe mais sofre objeções, rendendo, inclusive, uma obra dedicada especialmente a isso, o Sobre as Ideias (De Ideis em latim, Peri Ideon em grego). Por acaso, o original foi perdido, mas uma boa parte ficou preservada num comentário de Alexandre de Afrodísia (In Met. 79.3-85.12, ed. Hayduck) que é uma paráfrase fiel10. A estrutura da obra é clara: num primeiro momento é dado o argumento platônico para a existência de Ideias, em seguida vem a contraargumentação mostrando que o argumento não tem sucesso e/ou leva a mais conclusões do que um platônico estaria disposto a aceitar; nas Éticas, por outro lado, vê-se apenas a contra-argumentação, simplesmente porque a tese de que existe a Ideia do Bom é pressuposta, de outro modo não poderia ser criticada11. No Sobre as Ideias encontramos cinco argumentos a favor das Ideias, seguidos dos respectivos contra-argumentos, alguns dos quais se assemelham aos contidos nas Éticas; por exemplo, o da ciência e o dos por si e por outro. Apesar das semelhanças são as diferenças que mais chamam atenção: em primeiro lugar, como já notado, as Éticas tratam de uma Ideia em particular ao passo que o Sobre as Ideias há críticas à Ideia em geral e, em segundo, as categorias não aparecem no tratado das Ideias. Por causa disso não sabemos, com todas as letras, qual é o ponto da crítica do argumento ontoisopredicativo, qual é exatamente a característica que o predicado geral do bom tem que uma Ideia não isso não é o caso aqui porque é Aristóteles quem está contradizendo seu mestre e para uma contradição ser efetiva ela deve ser válida, deve ser consistente. pode ter. O mais provável é que, de alguma forma, a multivocidade fira o princípio do Um de Muitos; afinal um dos requisitos das Ideias é que elas possuam uma unidade a que todas as suas instâncias se remontem; se a Ideia for múltipla, então, as coisas que dela participam seriam as mais diferentes e a Ideia não contribuiria em nada para o conhecimento delas. Isso fica mais claro ao ler o argumento, supostamente platônico, do Um de Muitos:
Se cada um dos muitos homens é um homem, cada um dos muitos animais, um animal e o mesmo com respeito a outras coisas, se caso a caso não há nenhuma coisa que é predicada de si mesma, mas há algo que é predicado de todas elas sem ser igual a nenhuma, então haveria algo além dos seres particulares que é separado deles e eterno, pois é sempre predicado de mesmo modo [ homoioos kategoreitai ] de todos os individualmente mutáveis. E o que é único acima muitos, separado deles e eterno é uma Ideia; logo, há Ideias. (Alexandre de Afrodísia, In Metaph. 80.9-15.)
Se interpretarmos a parte grifada como um apelo à unicidade, então esse é justamente o ponto da crítica aristotélica: o conceito de bom não é predicado do mesmo modo. Portanto, não há como ter certeza que existe tal ideia. Seria como se alguém, após começar a construir um prédio, revisse os cálculos e descobrisse um erro, um cálculo mal feito, de modo que só poderá continuar o prédio se mudar alguma coisa. Da mesma forma, ou a Ideia de Bom não era para existir ou, se se insiste na sua existência, serão precisos novos argumentos.
O problema
Mas, se por um lado o oponente não é um platônico ortodoxo, mas um digamos assim - “platônico de veia aristotélica”, pronto para aceitar conceitos e proposições pouco condizentes com a doutrina oficial da Academia, por outro, não há por que supor que ele seja conivente, que qualquer argumento vai passar sem o menor questionamento. Uma boa dose do problema está em levarmos a sério o contexto polêmico e exigirmos que o argumento esteja além de qualquer dúvida.
Mas qual é o tipo de problema da passagem? O problema é de falácia, ou seja, o argumento não chega à conclusão proposta. Porém, esse problema é muito mais dos comentadores do que do próprio texto. Com efeito, no quadro da discussão, cada comentador apenas mostrava as dificuldades incorridas pela interpretação do anterior e, então, propunha uma nova que, por sua vez, era afastada e substituída pelo posterior e assim sucessivamente. Inclusive, aqueles que decretaram a invalidade do argumento não tentaram mostrar isso no próprio texto, mas apenas supuseram que, como ninguém conseguiu interpretá-lo bem, o próprio filósofo teria cometido o erro. Então, qual é o problema do argumento, exatamente, e não dos comentadores?
Para chegarmos ao cerne do problema, aquilo que na própria letra de Aristóteles tem impedido que as interpretações sejam bem sucedidas, analisaremos as correntes gerais de interpretação. Mas, antes, precisamos entender a acusação de que ele está sofrendo. O que afinal é uma falácia, um raciocínio inválido? Soa até contraditório falar assim, pois, se inválido, a rigor, não seria um raciocínio, mas um mero discurso. Ora, existem diversos tipos de falácias, mas todas compartilham da mesma característica: a conclusão pretendida não é alcançada. Um exemplo simples é:
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É claro que, apesar de todas as suas premissas serem verdadeiras, não se pode dizer que a conclusão se siga necessariamente, afinal, não é pelo fato de o homem ter vida que devemos concluir que ele é animal. Simplesmente não está correta a organização dos termos “homem”, “animal” e “vivo” dentro de cada premissa. O erro fica claro ao substituirmos “homem” da premissa menor por “árvore”, que também é um ser vivo, e assistirmos atônitos a conclusão, falsa, de que “árvore é animal”. Uma conclusão não necessária devido a uma má organização dos termos das premissas ou da própria relação de consequência entre as premissas, isso caracteriza numa falácia.
A princípio, o argumento da multivocidade do bom sofreria do mesmo mal: ou há alguma premissa faltando, ou elas estão organizadas de modo errado, ou há alguma outra falta que impede o argumento de seguir. Batizaremos esse problema de Problema da coerência do argumento da exclusividade categorial.
Interpretação meramente predicativa da exemplificação e sua crítica
Atravessando as várias interpretações até então lançadas à passagem talvez fiquemos mais habilitados a ver qual é a razão do problema, mas uma coisa que deve ser dita antes de começarmos é que o ônus da prova está do lado dos comentadores. Se nós conseguirmos levantar qualquer suspeita razoável de que as interpretações deles não garantem, absolutamente, que bom seja multívoco, então isso já é o bastante para passarmos para outra ou ficarmos na dúvida.
Ética Nicomaqueia, livro I, capítulo 6 (a edição Bekker o põe no capítulo 4), 1096a 23-29. A tradução de Ross ficaria assim em português:
Além do mais, uma vez que “bom” tem tantos sentidos quanto “ser” (pois é predicado na categoria de substância, como de Deus e da razão, na qualidade, isto é, das virtudes, na quantidade, i.e. do que é moderado, da relação, i.e. do útil, no tempo, i.e. da oportunidade certa, no lugar, i.e. da localidade certa e assim por diante), claramente isto não pode ser algo universalmente presente em todos os casos e singular, pois então não poderia ser predicado em todas as categorias mas em uma apenas.
Compartilham dessa interpretação Rackham, Ostwald e, ao que parece, Tomás de Aquino. Mais recentemente, mesmo passadas as críticas de Joachim e seus seguidores, Urmson defendeu exatamente essa interpretação12. Batizá-laemos de interpretação meramente predicativa da exemplificação.
De fato, lendo-se rapidamente, o argumento soa tão claro e contundente que não parece haver outro modo de interpretá-lo: seria sua tradução fiel. Porém, há uma coisa explícita na parte entre parênteses: bom é predicado de Deus, das virtudes etc. Ou seja:
Deus é bom;
Virtudes são boas; Mediania é boa etc.
Supondo que Deus esteja na categoria de substância, que as virtudes, na de qualidade e os demais, nas suas respectivas, e que esse é todo o papel das categorias na passagem, o seguimento do raciocínio é simples: uma vez que itens em categorias diferentes não possuem nada em comum entre si, então não há um predicado que possa apontar algo de comum entre eles. Portanto, é múltiplo: em cada caso, o bom tem uma definição diferente.
Deus é bom, virtudes são boas etc. (exemplificação)
Pelo menos um item na Substância é bom, pelo menos um na Qualidade é bom, etc. (categorialidade)
Itens em todas as categorias são bons (transcategorialidade)
Logo, bom tem várias definições (negação da universalidade única).
Mas a desconfiança que se levanta é: por que, pelos sujeitos serem maximamente diferentes entre si, os predicados ditos sobre eles terão definições diferentes? Ora, mesmo que a exata coisa referida pelo predicado não seja única, não se conclui daí que o predicado tem mais de uma definição; afinal, pode haver predicados tão vazios que permitam se referir a todo tipo de coisa mantendo uma mesma definição. Por exemplo, tanto a categoria de substância quanto a de ultimate types of being and do not share a common character. There is no single universal being and no single universal goodness. Perhaps an analogy from time and place, two other Aristotelian categories, may help understanding. We may speak of a long time and of a long distance; but it is not clear that there is one single sort of length that can be ascribed to both a time and a distance. If we can understand a denial of this, perhaps we shall also understand why Aristotle thinks that when we call God good and the weather good we are not attributing a common characteristic to them.” (Aristotle’s Ethics. Oxford: Blackwell, 1988. p. 23) qualidade são citadas nesse livro; poderíamos então criar a classe ser citado nesse livro que engloba tanto a substância quanto a qualidade; no entanto, não parece que ser citado nesse livro tenha uma definição num caso e outra, noutro13. Outro exemplo de algo igualmente predicado a todas as categorias seria, para quem adota essa linha, o não ter nada em comum com as demais categorias; é realmente necessário que este e outros predicados nunca tenham a mesma definição? Enfim, por mais diferentes que sejam os sujeitos, nada implica que seus predicados comuns necessariamente tenham definições diferentes. Pelo menos, isso não se mostra evidente. Perceba-se: não estamos dizendo que essa interpretação é completamente falha, apenas se pede que ela desenvolva suas premissas. Ela simplesmente não convence, não nos obriga a concluir o que esperávamos. O único problema para quem se propuser defender essa interpretação é que se esse alguém começar a acrescentar muita teoria, a predicação deixa de ser mera, deixa de ser “natural”, e passa a ser altamente qualificada e sofisticada; para se manter na linha de Ross, será preciso manter uma simplicidade interpretativa.
Ademais, é uma coisa muito difundida a de que as categorias não possuem nada, absolutamente nada, de comum entre si; mas onde isso está afirmado? Que, de fato, elas são diferentes entre si, isso não há como negar, mas nunca nos foi mostrado que são completamente diferentes. Veremos adiante que há razões para duvidar da total incomunicabilidade entre categorias.
[...]
1 Esses são os autores considerados já clássicos acerca da questão: JOACHIM, Harold. The Nicomachean Ethics: A Commentary. Oxford: Clarendon Press, 1951. HARDIE. Aristotle’s Ethical Theory. Oxford: Clarendon Press, 1968. p. 56-8. KOSMAN, L. Predicating the Good. Phronesis, v. 2, n. 8, 1968. p 172-4. ACKRILL, John. Aristotle on ‘Good’ and the Categories. In: Islamic Philosophy and Classical Tradition. Columbia, S.C.: University of South Caroline Press, 1972. pp.17-25. (Reimpresso em Articles on Aristotle. Vol. 2 . Londres: Duckworth, 1975-9. p. 17-24 e em ACKRILL. Essays on Plato and Aristotle. Oxford: Clarendon Press, 2001). MACDONALD, Scott. Aristotle and the Homonymy of the Good. Archiv für Geschichte der Philosophie, v. 71, p 150-174, 1989. SHIELDS, Christopher. Order in Multiplicity: Homonymy in the Philosophy of Aristotle. Oxford: Clarendon Press, 1999. Capítulo 8, tópico 8.3 e 8.4. SANTAS, Gerasimos. Goodness and Justice: Plato, Aristotle, and the Moderns. Oxford: Blackwell, 2001. Capítulo 6, tópico 2. SANTAS também publicou um artigo (Aristotle's Criticism of Plato's Theory of the Good: Ethics without Metaphysics. Philosophical Papers, set. 1989) ao qual não tivemos acesso. Além deles, temos ótimas contribuições de WOODS. Eudemian Ethics Bools I, II and VIII. Oxford: Clarendon Press, 1982. p.70-5. URMSON, J.O. Aristotle’s Ethics. Oxford: Blackwell, 1988. p. 23 e SANTA CRUZ, Maria Izabel. Sobre a Homonímia do Bem. Analytica. vol. 8, n 2, p. 91-113, 2004. Disponível em: <www.analytica.org.br>. Note-se que, embora o argumento fosse estudado desde a antiguidade, apenas no século XX é que se tornou um problema.
2 Aristoteles: Grundlegung einer Geschichte seiner Entwicklung. Berlin: 1923. (Tradução para o espanhol a partir da inglesa: Aristóteles: bases para la história de su desarrollo intelectual. Tradução de José Gaos. México: Fondo de Cultura Económica, 1946.)
3 Transliterando o original: éti d’ epeì tagathon isachôos légetai tôoi ónti (kaì gar en tôoi tí légetai, hoîon ho theòs kai ho noûs, kaì en tôoi poiôoi hai aretaí, kaì en tôoi posôoi to métrion, kaì en tôoi prós ti tò chréesimon, kaì en chrónooi kairós, kaì en tópooi díaita kaì hétera toiaûta), dêelon hoos ouk àn eíee koinón ti kathólou kai hén: ou gàr àn eléget’ en pásais taîs kateegoríais, all’ en miâi mónee. Não existe variação entre os manuscritos.
4 Os nomes dados pelos comentadores foram “Argumento por meio da Homonímia” e “Argumento Categorial”. MACDONALD é padrinho do primeiro (Aristotle and the Homonymy of the Good, p. 194); SHIELDS, do outro (Order in Mutiplicity, p. 150). SANTAS, apesar de seguir de perto SHIELDS, preferiu o primeiro (Goodness and Justice, p. 200). Esses nomes não são, todavia, muito convenientes, pois se por um lado um nome é apenas um nome, por outro pode levar a confusões, já que as categorias têm algum papel nos argumentos das linhas anteriores (EN 1096a17-23) e posteriores (a29-34). Já a homonímia talvez tenha alguma relevância no argumento a29-34 e em b7-26.
5 Na verdade, todos tomam cuidado de falar de multivocidade, que seria a expressão acordada atualmente para se referir a pollachoos legomenon, mais adequada à passagem. Mas eles parecem entender como se fosse homonímia ou, pelo menos, uma interpretação de homonímia (Cf. MACDONALD, op. cit. p. 153-159). O único que questionou diretamente sobre o sentido da negação da universalidade única foi outro estudioso, comentando a Metafísica: KIRWAN, Metaphysics, books G,D and E. 2ª ed. Clarendon Press. p. 85. Retornaremos a esse ponto no fim do próximo capítulo.
6 HARDIE (Aristotle’s Ethical Theory, p. 47s): “Some of the arguments used in the chapter are used elsewhere in contexts where Plato is named or is clearly intended. The Republic teaches that the Form of the Good has a unique status. Stewart thinks that the arguments of the chapter are not relevant (‘entirely beside the mark’) to the doctrine of the Republic, and draws the unacceptable conclusion that Aristotle is attacking ‘not Plato’s theory but the formalism of the platonic school’ [ Notes on the Nicomachean Ethics of Aristotle. Oxford: 1982] (i.74). […] But the assumption that, in this chapter, Aristotle aims his criticism at Plato and not the Platonists, does not need to be supported by evidence that Plato was famous for the doctrine about the Good. For the Good is discussed here as a Form, and Aristotle represents Plato as the author of the theory of Forms.” Ainda que o texto da Ética Nicomaqueia fale no plural, isso é apenas um efeito retórico, podendo se referir a apenas uma pessoa, Platão no caso, como em Metafísica 978a29-b8. Cf. TARÁN, L. Amicus Plato sed Magis Amica Veritas. In: Collected Papers (1962-1999). Leiden, Boston, Köln: Brill, 2001. p. 8s.
7 A questão da correspondência das críticas aristotélicas já gerou grandes embates. A melhor expressão do problema foi dada por GAIL FINE: “In assessing Aristotle’s criticism of Plato, we are often asked to choose between the horns of the following dilemma: either Aristotle interpreted Plato correctly, in which case the theory of forms is inconsistent; or else he misinterprets Plato, in which case Plato is invulnerable to his criticism” (On Ideas. Oxford: Clarendon Press, 1993 p. 28). Poderíamos exacerbar o dilema, substituindo a segunda alternativa por “ou Aristóteles interpreta mal Platão e nesse caso, ele simplesmente não entendeu a filosofia que estudou por pelo menos vinte anos”. É inegável que alguns retratos de teses platônicas não correspondem a algumas doutrinas presentes nos Diálogos, muitas vezes, inclusive, expressando o contrário; por exemplo, no Sobre as Ideias Aristóteles diz claramente que os platônicos não aceitam Ideias de objetos fabricados (Alexandre de Afrodisia, Comentário à Metafísica. 79.19-80.6), mas na República X (596a) exemplos são dados justamente com artefatos. Mas como explicar essa diferença sem fazer injustiça a esses grandes filósofos é que se dá a questão. Sobre esse tema há, além do On Ideas, as duas obras principais do século XX acerca das críticas aristotélicas: ROBIN, L. La Théorie platonicienne des idées et des nombres d’après Aristote. Paris: Felix Alcan, 1908 e CHERNISS, H. F. Aristotle’s Criticism of Plato and the Academy. Baltimore: The John Hopkins Press, 1944; reimpresso New York: Russell and Russell, 1962. Ver também OWEN. Dialectic and Eristic in Treatment of the Forms. In: Idem (ed.) Aristotle on Dialectic: The Topics. Oxford: 1968 . p.103-25 (Symposium Aristotelicum) (Reimpresso em NUSSBAUM, M. (Ed.). Logic, Science and Dialectic. Ithaca (NY): Cornell University Press, 1986.)
8 Quanto ao Um de Muitos no platonismo e no aristotelismo, ver discussão de FINE em On Ideas, p. 110-3. Quanto à relação ser-bom, ver SANTAS, (Goodness and Justice, p. 171-8). Quanto às categorias, BURNET. (The Ethics of Aristotle. Londres: Methuen, 1900. Introduction, p. xlviii-lii).
9 Essa monografia se deterá tão somente no aristotelismo e, apesar das rápidas citações dos Diálogos nesse tópico, nem sequer espiaremos as doutrinas platônicas. Também não optamos pela saída fácil, mas ao nosso ver impossível, que seria dizer que o argumento é inconsistente porque Aristóteles retrata teses platônicas que, por sua vez, são inconsistentes. Não seria a primeira vez que o Estagirita acusa Platão de argumentar erradamente (ver próxima nota), mas
10 O Peri Ideon tinha duas partes, a primeira com os cinco argumentos e a segunda lidando com a heterodoxa teoria das Ideias de Eudoxo, fora outras questões; aqui estamos nos detendo apenas na primeira parte. Há, porém, duas edições do comentário, bem diferentes entre si, a recensio vulgata e a recensio altera, sendo a primeira mais aceita e estudada. Além do já citado On Ideas de GAIL FINE, que é o melhor estudo sobre esta obra, há a tradução de SANTA CRUZ, MARIA ISABEL; CRESPO, MARIA INÉS e DI CAMMILO, SILVANA (Las Críticas de Aristóteles a Platón en el Tratado Sobre las Ideas. Buenos Aires: Eudeba).
11 Nesse ponto é difícil concordar com VERBEKE (La critique des ideés dans l’Éthique Eudémienne. In: MORAUX, P.; HARLFINGER, D. (Ed.). Untersuchungen zur Eudemische Ethik. Berlin: Walter De Gruyter & Co, 1971. p 135-156.), que pretende encontrar uma crítica propriamente ética (ou seja, cujas bases seriam a própria visão de ética imanente de Aristóteles) para explicar por que a crítica a Ideia do Bem não aparece em outras obras do Corpus. A nosso ver, a explicação está simplesmente no escopo de discussão: no Sobre as Ideias e na Metafísica não cabe criticar uma Ideia específica, ao contrário das Éticas.
12 ROSS (Oxford Translation, 1925. Reeditado em várias coletâneas), RACKHAM (Harvard Univ. Press, 1934, Loeb Classical Library) e OSTWALD (Library of Liberal Arts, 1962). TOMÁS DE AQUINO: “But the various categories do not have one common nature, for nothing is predicated of them univocally. Now good, like being with which it is convertible, is found in every category. Thus the quodquidest or substance, God, in whom there is no evil is called good; the intellect, which is always true, is called good. In quality good is predicated of virtue, which makes its possessor good; in quantity, of the mean, which is the good in every subject of measure […] It is clear, therefore, that there is not some one good that is the idea or common “ratio” of all goods. Otherwise good would not be found in every category but in one alone.” (Commentary on Aristotle’s Nicomachean Ethics. Tradução de C.J. Litzinger, OP. NotreDame, Indiana: Dumb Ox Books, 1993. p. 26. Grifo nosso). URMSON: “Aristotle's arguments to this effect are obscure in detail and depend on his doctrine of categories in their formulation. Basically, what he claims is that a good substance, such as God, a good quality, such as wisdom, a good quantity, and so on through the categories, are utterly disparate in their nature. Substance, quality and quantity are
13 De todos os comentadores, WOODS foi o único que lançou, mais do que uma desconfiança, uma objeçãoa essa interpretação “It seems natural to suppose that ‘pale’ cannot be applied in the same sense to both to Socrates and to the colour of his complexion; or again that the field and the distance across it cannot in the same sense be described as small. But if applied quite generally, the principle [“um X distribuído em todas as categorias é homônimo”] seems to be quite unacceptable. There seems little to be said for the view that ‘visible’ is not applied in the same sense to substances, qualities, quantities, and relations.” (Eudemian Ethics. p. 72). Sua crítica pode, porém, não ser aceita porque para Aristóteles a visão se relaciona diretamente com cores, que são qualidades, para, derivadamente, ver unidades, formas etc. KOSMAN tenta objetar, mas seu ponto é muito fraco: “porque Aristóteles usou exatamente deus e intelecto como exemplo e não qualquer outra coisa?” é a pergunta que ele faz a quem traduz como Ross (Predicating the Good, p. 172); somado a isso, SANTA CRUZ se pergunta por que a palavra “por exemplo” aparece apenas para substância (Sobre a homonímia do bem, p. 99s). Os demais apenas levantam suspeitas: HARDIE, (Aristotle’s Ethical Theory, p. 57); ACKRILL, (Aristotle on ‘Good’ and the Categories, p. 17 segundo a paginação do Articles on Aristotle); MACDONALD, (Aristotle and the Homonymy of the Good, p. 155s). A suspeita, porém, já é forte o suficiente para levarmos a discussão para frente.
- Quote paper
- Hugo Bezerra Tiburtino (Author), 2010, O Problema do Bom em Geral para Aristóteles, Munich, GRIN Verlag, https://www.grin.com/document/311481
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